18 de julho de 2008

Não ficará senão a tua voz na tarde calma...*

Havia, então, uma plenitude, um tempo devagar, um esplendor. Nas tardes de Julho, por volta das cinco, tia Filipa, sempre de saia comprida e cabelo apanhado atrás, num carrapito, mandava servir o chá no varandim.


De repente ela chegava, Cláudia, vinha de casa, mesmo ao lado, abria o pequeno portão de ferro, os gonzos chiavam um pouco, mas para Xavier era música, porque era Cláudia que chegava. Olha quem lá vem, dizia sempre a tia Filipa, com o seu sorriso cúmplice, um tanto irónico, olha quem lá vem. E era um esplendor, uma espécie de eternidade, essas tardes de Julho no tempo devagar, o chá no varandim, o sorriso da tia, a blusa branca de Cláudia, aquele olhar que só ela, o tempo como para sempre. Mesmo que tudo então dentro dele se desorganizasse e fosse ora um frio ora um fogo, um rio subterrâneo, um arrepio, ou simplesmente o sangue e o espírito do avesso, havia no ar um não sei quê que nunca, nunca mais. Plenitude, essa breve, tão breve eternidade. Olá, dizia Cláudia.

Ainda deve haver um eco, algures, em Alba.

- Manuel Alegre, in A Terceira Rosa - *

1 comentário:

Merenwen disse...

A primeira vez que li esse livro, estávamos em viagem de comboio para Florença. Tinha acabado de ler o que eu trazia comigo e tu estavas a tentar persuadir-me a ler o teu, cujo título não me seduzia. Sei que acabei por o ler nesse viagem e de novo, na viagem de regresso. Depois, comprei um exemplar meu e fui sublinhando passagens, já o reli muitas vezes depois disso. Está entre os meus livros predilectos. A escrita ritmada, poética, aquele amor maior que tudo, aquela tristeza tão portuguesa e aquele destino final tão à fado, tão nosso...