8 de abril de 2011

Por(to)menores.









 Invicta - hoje
 
Quase duas horas só para mim. Eu, o sol, o cheiro a Primavera e as ruas da minha cidade. Os problemas persistem e são mais do que muitos, mas hoje, durante breves instantes, consegui abstrair-me da realidade de um quotidiano difícil e inventar um microcosmos, uma realidade paralela que me acalentou a alma, através da objectiva da minha câmara.

6 de abril de 2011

Nos primeiros anos,


devemos aprender o cheiro das flores,


observar atentamente o que nos rodeia,


inventar brincadeiras com paus,


deixarmo-nos guiar por mãos sábias,


armazenar pinhas para o Natal,


analisar as plantas,


receber muito colo e muitos mimos


e aprender a caminhar pelo nosso próprio pé.

5 de abril de 2011

Frau B.

Ultimamente, vem-me constantemente à memória. A sua voz, a sua sabedoria. O cheiro característico daquele 5º andar na Baixa, com vistas para o casario e a Torre dos Clérigos. Tenho sonhado com as suas mãos, os seus caracóis brancos, a mesa de madeira oval onde escrevi ditados, redacções e declinações de verbos a tinta permanente. Queria poder ligar para aquele número da rede fixa que ainda hoje sei de cor e ouvir do outro lado um Hallo mein lieber Schatz!, assim que reconhecia a minha voz. Tenho tantas coisas para lhe contar, tantas perguntas para fazer. O que me diria ao saber das minhas inquietações neste momento? Que rumo me indicaria, quais os conselhos? Gostava da sua forma de me orientar pelos caminhos desta vida, sem verdades absolutas, paternalismo ou falso moralismo. Sinto falta dos chás tomados no sofá verde-azeitona, dos almoços em que, só as duas, falávamos de tudo e mais alguma coisa e devorávamos um suflê de chocolate e creme de natas inteirinho. Fazia-me sentir tão especial de cada vez que me convidava para um almoço dos nossos, um passeio a pé pela cidade, uma ida a um concerto de música "antiga", como dizia. Nunca nos pesaram os 60 anos de diferença de idades, éramos amigas, confidentes. Muito mais do que gramática, literatura e cultura alemãs, ensinou-me uma ética de vida, um enorme sentido de responsabilidade, o orgulho no trabalho (bem feito), o prazer da escrita, a interpelação da Arte ou a simples apreciação do Belo nas coisas mais pequenas e comezinhas. Mostrou-me a dimensão do Mundo e o tamanho das minhas capacidades, assim como das minhas limitações. Ajudou-me a superar as últimas e a estimular as primeiras, sem nunca me passar a mão pela cabeça. Fez-me ler muito, os livros mais variados, sobre os mais diversos temas, até aqueles considerados menores. Organizou almoços pascais e tardes de pintura de ovos, onde nos punha a dizer poesia ou a conversar sobre banalidades. Mimava-nos com chocolates suiços sempre que o nosso aproveitamento escolar era aquele que ela entendia ser o nosso melhor e, através do trabalho constante, fez-nos descobrir o gosto em aprender sempre mais. Juntas fazíamos encomendas através de catálogos de roupa, acessórios e artigos para o lar, em momentos fúteis e girlish que nos divertiam imenso. Sinto falta dos jantares de raquelete onde juntava diversas gerações à mesma mesa, do cheiro a bolo de mel que invadia o ar a partir de Novembro, assim que começava a maratona das centenas de bolos que tinham que estar prontos a tempo do Weihnachtsbazar do Colégio. Ainda hoje consigo sentir o cheiro a biscoitos de queijo sempre que passo naquela rua e vê-la a passear os seus Dackel, de gabardine e calças impecavelmente vincadas. Lembro-me das pequenas grandes viagens no Renault azul, da bandeirinha suiça a balouçar no espelho retrovisor. Do dado de madeira com pequenas orações que se tornou num ritual tão familiar a cada refeição. Sinto o seu abraço apertado, os seus longos braços magros protegendo-me sempre, as mãos fortes e ao mesmo tempo delicadas que gostava de observar enquanto deitava migalhas às pombas no pratinho de barro colocado estrategicamente no peitoral da varanda ou a forma como segurava a caneta verde com que nos corrigia os exercícios de gramática. Recordo o som do rádio ligado no quarto-de-banho pela manhã, invariavelmente sintonizado na BBC, pois gostava de ouvir as notícias do mundo em inglês enquanto se arranjava. Tive o privilégio de assistir algumas vezes a este ritual, em dias de férias que me davam direito também a tomar o pequeno-almoço na mesinha da cozinha, seguido de animadas sessões de leitura. Conhecia os cantos daquela casa como as palmas da mão, o recheio do aparador da sala de jantar, as estantes e os livros que acolhiam, o esconderijo da lata de biscoitos amanteigados, o sítio dos cadernos, canetas e lápis que utilizávamos, o lugar exacto onde gostava de colocar a jarra com as flores frescas. Sei a forma como o sol de fim-de-tarde brinca com o papel de parede da sala de estar, a melhor forma de entreabrir as portadas da varanda para deixarem entrar a quantidade certa de ar, sem fazer corrente. Tenho uma saudade imensa do caos organizado em que vivia, do amontoado de revistas e jornais amarelecidos pelo tempo e pelas muitas mãos que os manusearam, do chilrear dos canários em sintonia com o badalar dos sinos dos Clérigos, do Carmo e das Carmelitas, do nunca mais acabar de chocolates e bombons que enchiam o frigorífico e um certo armário do corredor, dos cortinados, das cadeiras de palhinha, das orquídeas, da sapateira à entrada do quarto-de-banho onde alinhava pares de sapatos de tacão e presilha de quase todas as cores, dos pequenos guizos da porta de entrada, que denunciavam a chegada de alguém. Queria poder dizer-lhe o quanto me faz falta, como será sempre tão importante na minha vida. Gostava que soubesse do tanto dela que há em mim, do tanto que me marcou. Seria hoje certamente alguém muito diferente se não tivesse nunca conhecido aquele sorriso, ouvido os seus raspanetes, as suas muitas histórias. Herdei assim um gosto enorme por viagens, por outras culturas, outras línguas, um espírito nómada que carrega consigo as suas raízes mais profundas, numa caminhada em que se busca constantemente a si mesma. Devo-lhe grande parte do que sou e do que sei. Trago no peito um choro sufocado por não me ter despedido dela como merecia e a esperança de lhe ter dito em vida o quanto dela gostava, vezes suficientes...Meine liebe Frau B.

4 de abril de 2011

Côrrosa.


 Jardim - Abril de 2011

Ontem, à mesa de mais um costumeiro jantar de domingo, tomavam-se acérrimas posições clubísticas, depois de um apagão azul e branco em território vermelho. Entre cada colherada de sopa, cada um ia tentando doutrinar a nossa mascote, num churrilho de o vermelho é o maior, os azuis é que são campeões, o avô e a tia são verdes, a M. é axadrezada, mas também não percebe nada disto.  
Numa claríssima tentativa de pôr fim à conversa e conseguir apreciar, finalmente, o vestido da Bárbara Guimarães, a A. pousa a fatia de regueifa na mesa e declara: não, côrrosa!
Saiu-se-me um Hello Kitty ao poder! que lhe arrancou uma daquelas maravilhosas gargalhadas teatrais e o R. aproveitou a galhofa para sorrateiramente trocar a Madame Carrilho pelo Rui Santos.