16 de março de 2012

Hoy voy hacia la vida.



Vengo de donde viene
Mi amigo el viento,
Traigo aromas de luz
Que provaron los cerros,
Y armonias calladas
De la noche mas bella.

Exercício terapêutico,7

O cheiro a Primavera que anda no ar. Uma luz quase de Lisboa anteontem ao fim do dia enquanto descia a Av. da Boavista a pé, que me fez sentir uma imensa saudade boa da capital. A luz do Porto por estes dias. As manhãs de nevoeiro e o céu azul do início de tarde. Passear pela Invicta. Atravessar a cidade (quase) toda a pé, várias vezes por semana, tratar da vidinha e assim ainda conseguir fazer exercício e poupar em transportes. As ruas da minha cidade. Os fins-de-tarde dourados sobre os prédios antigos da Baixa. A Foz e o meu mar, sempre tão presente na minha vida. Inaugurar a época balnear em Março, com um piquenique na areia e direito a um escaldão no rosto - daqueles com uma ridícula marca dos óculos de sol. Subir ao cimo da Torre dos Clérigos e aperceber-me que já não o fazia há mais de quinze anos. Dividir crepes com gelado de tartufo e noz, bem barrados com Nutella e uma chávena de chocolate quente com chantilly e ficar ligeiramente enjoada de tanto doce junto. Cantar o Cell Block Tango, da cena do Chicago, enquanto ando de carro com a minha mãe e ela chamar-me de maluca de cada vez que faço as vozes das personagens, numa imitação digna de Óscar. Programar o ipod na lista On the go e deixar-me perder por aí, percorrendo ruas e memórias, enquanto desfio canções escolhidas a dedo, numa banda sonora que me acompanha desde sempre e que vai crescendo comigo. Fazer uma taça de pipocas, só porque sim, e comê-la de enfiada. Passar horas na cozinha entre malgas, panelas e colheres de pau, fazendo alquimia com ingredientes ancestrais e maravilhar-me sempre, a cada resultado conseguido. Sonhar acordada. Ver filmes e séries enroscada na cama ou no sofá. Fazer dos jardins do Palácio o meu local de trabalho, olhar o lago pelo canto do olho e desfrutar da companhia dos pavões, dos patos, dos melros, das pombas e das gaivotas, sabendo que tenho a Biblioteca ali à mão, caso seja preciso consultar algum livro ou fazer uma pesquisa para além da Internet. Tomar um cimbalino cheio, bem tirado, na Petúlia logo de manhã bem cedo, para começar melhor o dia. O ambiente dos cafés e confeitarias do Porto. Os empregados de mesa de toda uma vida, que sabem o nome dos clientes mais antigos e fiéis, que lhes perguntam pela saúde, a família, o trabalho e a vitória do Sporting, sem serem invasivos ou desrespeitarem a privacidade e o espaço de cada um. Os cafés da minha infância - o Orfeu, o Ceuta, o Aviz, o Bom Dia, o Velasquez, que continuam vibrantes, apesar da crise. O cheiro a terra molhada depois de algumas (poucas) gotas de chuva. As histórias que a A. inventa e a sua imaginação prodigiosa. As brincadeiras com ela e com a M. . As sessões fotográficas, as fotografias cómicas e os vídeos engraçados que delas resultam. Percorrer a cidade de máquina fotográfica na mão. (Re)descobri-la através da lente e do meu olhar, sempre diferente a cada dia. Ler poesia e encantar-me sempre que descubro um novo poeta. Perder-me por entre livros, folheá-los, sentir-lhes o cheiro e o toque do papel e das capas. A minha caneta de tinta permanente e a minha caligrafia, tão diferente de cada vez que lhe sou infiel. A importância e a diferença de uma boa caneta e os restos de tinta nos meus dedos, sempre que é necessário mudar uma carga. Passar em frente ao antigo cinema Pedro Cem e recordar com carinho e uma certa nostalgia todas as sessões a que ali assisti, sobretudo aquela vez que a mãe do T. me teve que retirar da sala com lágrimas nos olhos e completamente assustada com a bruxa da Branca de Neve. Perceber, uma vez mais, como era genuinamente feliz naquele tempo e sentir saudades de ver as camisas do T. dependuradas a secar no nosso jardim, depois de se lhe ter soltado o sangue no nariz, como acontecia frequentemente. Lembrar as brincadeiras de miúdos e uma imagem que me acompanha há anos - o B. a andar na minha bicicleta azul e cinzenta, numa festa já nem sei de que aniversário meu. Os sonhos e planos que carrego comigo e a força renovada que o anúncio da Primavera sempre me traz. A vontade de seguir em frente, acreditando, nos outros e, acima de tudo, em mim mesma. Acordar a cada novo dia com a certeza de ser capaz e saltar da cama, apesar do sono e das noites mal dormidas. Acreditar que a boa-disposição é mais transformadora e contagiante do que as caras fechadas e os olhos baixos. Ir, sempre que possível.