Sequeiros - Novembro 2010
27 de novembro de 2010
Fim de tarde.
Sequeiros - Novembro 2010
Paz das montanhas, meu alívio certo.
O girassol do mundo, aberto,
E o coração a vê-lo, sossegado.
Fresco e purificado,
O ar que se respira.
Os acordes da lira
Audíveis no silêncio do cenário.
A bem-aventurança sem mentira:
Asas nos pés e o céu desnecessário.
- Miguel Torga -
26 de novembro de 2010
A arte de ser feliz
Roma - Julho 2010
Houve um tempo em que minha janela
se abria sobre uma cidade que parecia
ser feita de giz. Perto da janela havia um
pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra
esfarelada, e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre
com um balde, e, em silêncio, ia atirando
com a mão umas gotas de água sobre as
plantas. Não era uma rega: era uma
espécie de aspersão ritual, para que o
jardim não morresse. E eu olhava para
as plantas, para o homem, para as gotas
de água que caíam de seus dedos
magros e meu coração ficava
completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o
jasmineiro em flor. Outras vezes
encontro nuvens espessas. Avisto
crianças que vão para a escola. Pardais
que pulam pelo muro. Gatos que abrem
e fecham os olhos, sonhando com
pardais. Borboletas brancas, duas a
duas, como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem
personagens de Lope de Vega. Ás
vezes, um galo canta. Às vezes,
um avião passa. Tudo está certo, no seu
lugar, cumprindo o seu destino. E eu me
sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas
felicidades certas, que estão diante de
cada janela, uns dizem que essas coisas
não existem, outros que só existem
diante das minhas janelas, e outros,
finalmente, que é preciso aprender a
olhar, para poder vê-las assim.
- Cecília Meireles -
se abria sobre uma cidade que parecia
ser feita de giz. Perto da janela havia um
pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra
esfarelada, e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre
com um balde, e, em silêncio, ia atirando
com a mão umas gotas de água sobre as
plantas. Não era uma rega: era uma
espécie de aspersão ritual, para que o
jardim não morresse. E eu olhava para
as plantas, para o homem, para as gotas
de água que caíam de seus dedos
magros e meu coração ficava
completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o
jasmineiro em flor. Outras vezes
encontro nuvens espessas. Avisto
crianças que vão para a escola. Pardais
que pulam pelo muro. Gatos que abrem
e fecham os olhos, sonhando com
pardais. Borboletas brancas, duas a
duas, como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem
personagens de Lope de Vega. Ás
vezes, um galo canta. Às vezes,
um avião passa. Tudo está certo, no seu
lugar, cumprindo o seu destino. E eu me
sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas
felicidades certas, que estão diante de
cada janela, uns dizem que essas coisas
não existem, outros que só existem
diante das minhas janelas, e outros,
finalmente, que é preciso aprender a
olhar, para poder vê-las assim.
- Cecília Meireles -
25 de novembro de 2010
O amor é esta coisa tão estranha.
Podemos falar dos sentimentos, descrever
as impressões que nos ameaçam, e revelar o vazio
que se descobre na ausência um do outro: nada,
porém, é tão inquietante como a dúvida,
o não saber de ti, ouvir o desânimo na tua voz,
agora que a tarde começa a descer e, com ela,
todas as sombras da alma. É verdade que o amor não é
apenas um registo de memórias. É no presente
que temos de o encontrar: aí, onde a tua imagem
se tornou mais real do que tu própria,
mesmo que nada te substitua. Então, é
porque as palavras são supérfluas; mas como viver
sem elas? Como encontrar outra forma de te dizer
que o amor é esta coisa tão estranha, dar o que nunca
se poderá ter, e ter o que está condenado
a perder-se? A não ser que guardemos dentro de nós,
num canto de um e outro a que só nós chegamos,
sabendo que esse pouco que nos pertence é
tudo o que cabe neste sentimento.
- Nuno Júdice -
as impressões que nos ameaçam, e revelar o vazio
que se descobre na ausência um do outro: nada,
porém, é tão inquietante como a dúvida,
o não saber de ti, ouvir o desânimo na tua voz,
agora que a tarde começa a descer e, com ela,
todas as sombras da alma. É verdade que o amor não é
apenas um registo de memórias. É no presente
que temos de o encontrar: aí, onde a tua imagem
se tornou mais real do que tu própria,
mesmo que nada te substitua. Então, é
porque as palavras são supérfluas; mas como viver
sem elas? Como encontrar outra forma de te dizer
que o amor é esta coisa tão estranha, dar o que nunca
se poderá ter, e ter o que está condenado
a perder-se? A não ser que guardemos dentro de nós,
num canto de um e outro a que só nós chegamos,
sabendo que esse pouco que nos pertence é
tudo o que cabe neste sentimento.
- Nuno Júdice -
Antes uma certa ilusão do optimismo,
do que o tédio do pessimismo, sobretudo quando este é militante e se transforma numa constante tentativa de bota-abaixismo.
24 de novembro de 2010
I know you know that I'll never let you go.
A Strangers diz que sabe a caneca de chá, manta quente e pensamentos circulares...eu acrescento que sabe a abraços apertados e àquela sensação de plenitude que se sente quando nos (re)vemos no olhar de quem amamos.
How do I let go?
Pôr a carroça à frente dos bois.
É a expressão que me ocorre quando me dizem que já fizeram à árvore de Natal, o presépio e todas as outras decorações alusivas à quadra; que já têm quase todos os presentes comprados, devidamente embrulhados e etiquetados; que já decidiram o menu para o jantar do Ano Velho e o almoço do Ano Novo; que já têm os modelitos comprados, escolhidos e separados para todas as reuniões familiares e de amigos que irão acontecer por esse Dezembro fora.
Há quem ache tudo isso eficiência, poder de organização, grande capacidade para aproveitar o tempo, etc e tal... a mim parece-me uma urgência desenfreada em antecipar uma época que deve ser vivida com calma, serenidade e não esquecendo os valores que lhe devem ser inerentes. Se já tremi ao ler este texto, ia tendo uma síncope quando soube de alguém que tem os presentes todos comprados desde Agosto, porque depois tem mais que fazer do que andar às compras. Juro que até percebo, mas Agosto? De lá até ao dia 24 de Dezembro tanta água corre debaixo da ponte. Ou talvez seja eu que não goste de saltar etapas, sobretudo se as achar importantes; talvez tenha um ritmo demasiado lento para esta sociedade desenfreada em que vivemos, que transforma o Natal numa maratona consumista, de caridadezinha oca, de aparências e de fotografias de famílias sorridentes, ao melhor estilo Kodak, daquelas que se degolam ainda antes de cozer o bacalhau ou trinchar o perú.
(Ainda) gosto muito do Natal e de tudo aquilo que ele, na sua essência, representa. Sou católica por educação e tradição familiar, embora não seja "praticante", o que me deixa sem religião, mas com os valores que considero essenciais intocados.
Gosto de enfeitar a casa, de colocar a estrela no topo da árvore, de pôr uma coroa na porta de entrada, de acender uma vela na coroa do Advento em cada domingo até ao Natal. Mas tudo a seu tempo, como acredito que deve ser.
Normalmente enfeito a casa a 1 ou a 8 de Dezembro, para aproveitar os feriados, mas nunca antes do Advento começar. Na época do Colégio, comprava a coroa de Advento no Bazar de Natal (último fim-de-semana de Novembro) e ficava numa ansiedade até poder acender a primeira vela e aguardava depois impacientemente pelo final do dia 5 de Dezembro, quando colocávamos a nossa Nikolaus-Stiefel, para no dia seguinte a encontrarmos repleta de doces e frutos secos, que devorávamos ainda antes de cantar a Sankt Nikolaus Lied. Depois era ir riscando os dias até chegar a tão desejada Véspera de Natal, em que toda a família se reúne e onde os amigos não são esquecidos.
Normalmente enfeito a casa a 1 ou a 8 de Dezembro, para aproveitar os feriados, mas nunca antes do Advento começar. Na época do Colégio, comprava a coroa de Advento no Bazar de Natal (último fim-de-semana de Novembro) e ficava numa ansiedade até poder acender a primeira vela e aguardava depois impacientemente pelo final do dia 5 de Dezembro, quando colocávamos a nossa Nikolaus-Stiefel, para no dia seguinte a encontrarmos repleta de doces e frutos secos, que devorávamos ainda antes de cantar a Sankt Nikolaus Lied. Depois era ir riscando os dias até chegar a tão desejada Véspera de Natal, em que toda a família se reúne e onde os amigos não são esquecidos.
Os presentes são para ir comprando, sempre depois do S. Martinho, para não haver confusões de santos, como dizia a avó A., não esquecendo no entanto, que não são o mais importante. Faz-me uma confusão tremenda ver montras e lojas decoradas logo no dia 1 de Outubro, quando ainda há gente a regressar da praia.
As iguarias, doces e docinhos, são feitos no próprio dia (24), para estarem no ponto que todos gostam. À mesa misturam-se tradições portuguesas, alemãs, espanholas, brasileiras e anglo-saxónicas, num patchwork de vivências e ligações afectivas. Os presentes abrem-se à meia-noite de 25, as crianças primeiro, os adultos no fim. Lembram-se os que já partiram e deixa-se a mesa posta durante a madrugada de 25, para as alminhas, o Menino Jesus e o Pai Natal poderem fazer um banquete.
Na tarde de 25 recebem-se ou visitam-se familiares e amigos, saboreiam-se melhor os presentes recebidos, vêem-se filmes à lareira e prepara-se o perú para o jantar, servido com a inconfundível farofa da Micas aka my Mum. Pede-se baixinho, mas com muita força, para que no próximo ano estejamos novamente todos juntos e com saúde.
Sei também que é uma época muito difícil e triste para muita gente, pelos mais variados motivos. É nessas pessoas que penso quando estamos todos sentados à mesa, aquecidos pela lareira e pela companhia uns dos outros. Para mim é, antes de mais, um tempo de reflexão e de tomada de decisões, sobretudo com a perspectiva de um ano novinho em folha à minha frente.
23 de novembro de 2010
Das pequenas coisas.
Ir buscar uma amiga muito querida à estação. Tentar pôr a conversa em dia em dois minutos, numa urgência de quem sabe que o tempo vai ser curto. Ouvi-la resmungar do frio, ela que já se tinha habituado novamente aos 40º que se fazem sentir na costa do Índico. Levá-la a conhecer a minha cidade, mostrar-lhe a Batalha, Santa Catarina, o Rivoli, os Aliados, São Bento, a Sé. Fazer uma pausa no Guarani para recuperar energias e bater um papo mais profundo. Ir almoçar com a Micas (aka my Mum) e um tio da I., um senhor muito castiço. Continuar num passeio a três, fazer as praias, da Foz à Boa Nova, em Leça. Aproveitar a luz do fim de tarde sobre o mar. Regressar à Invicta, dar um pulo à Ribeira e entrar numa lojinha de souvenirs para a I. comprar uns postais. Vê-la sorrir como uma criança em véspera de Natal quando viu o Douro e as suas pontes. Terminar a tarde em casa dos avós, sentadas à mesa, com a lareira acessa, a tomar chá, como a avó A. tanto gostava. Levar a I. de volta à estação, dar-lhe um abraço com promessas de um até breve, algures por aí (quem sabe se da próxima vez não resmungamos dos 40º à sombra!).
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