Já que não estamos aqui só a passeio
Já que a vida enfim, não é recreio
Eu vou na bubuia, eu vou
Eu vou na bubuia, eu vou
Flutuo, navegando, sem tirar os pés do chão
Trezentos e sessenta e cinco dias na missão
Na bubuia, eu vou
Eu vou na bubuia, eu vou
Subo o rio no contra-fluxo à margem da loucura
Na fé que a vida após a morte continua
Eu vou na bubuia, eu vou
Eu vou na bubuia, eu vou
Entoo uma toada em dia de noite escura,
Na sequência, na cadência, na fissura,
Eu vou na bubuia, eu vou
Eu vou, suave, bebendo água na cuia
Olho aberto, papo reto, o peito como bússola
Nenhum receio do lado negro da lua
Que me guia na bubuia
Eu vou na bubuia, eu vou
O destino é um mar onde vou me desfazer
Contente a deslizar na correnteza do viver
Na bubuia eu vou
Eu vou na bubuia, eu vou..
- Céu, Bubuia -
Neste Verão em que completei 31 Primaveras, apercebi-me que, apesar de os meus dias estivais já não cheirarem a urze, a oliveiras e a bosques de azinheira; apesar de o meu horizonte por estes dias já não se encher de montes, xisto e granito, como nos Verões da minha infância e adolescência, há coisas que não mudam nunca. O meu mar continua bravo e frio, repleto de algas que se acumulam no areal durante a maré vaza, Agosto continua a ser sinónimo de nortadas e marés vivas e passear à beira-mar é-me tão natural e essencial como respirar. Redescobri o rio que atravessa as nossas vidas desde sempre e ao longo do qual gosto cada vez mais de caminhar. Dou cada vez mais importância a coisas simples, como ir ao mercado comprar peixe ou fazer pizzas caseiras, com direito a farinha e água derramadas pelo chão da cozinha, muitas caras enfarinhadas e sorrisos rasgados ao ver as obras-primas saírem do forno. Olho para a minha Mary Mary, cada vez mais crescida e a perder as feições de bebé (se bem que para mim vai ser sempre aquela bebé bolachuda, de olhos esbugalhados cor de azeitona preta que veio para o meu colo com apenas 5 meses), para aquele bicho-carpinteiro irrequieto e imaginativo, para aquela criatura que passa o dia a ouvir Bob Marley e Selena Gomez (para mim, uma combinação impossível), para aquela pirralha que por vezes me consome a paciência e me gasta o nome em três tempos e apercebo-me que trago o coração fora do peito e que sou mãe (adoptiva) há 11 anos (onze!) - pois apesar de não me ter saído do ventre é minha filha do coração e gosto de pensar que carrega um bocadinho de mim e que tenho contribuído para a sua formação enquanto ser humano. Olho para ela e para a nossa pequena mascote e embebeço-me com a forma carinhosa com que se tratam, com a maneira protectora com que a Mary Mary nos ajuda a tomar conta dela, com as brincadeiras que inventam juntas e com as gargalhadas que nos enchem a casa e alma.
Setembro começou com uma aventura na Rota da Luz, num dia suspenso no turbilhão de problemas que diariamente teimam em invadir a minha vida ultimamente e no fim-de-semana passado assistimos ao sorriso rasgado da J. enquanto caminhava até ao altar, onde a esperava um não menos sorridente JN. A J. é a mais velha da minha geração de primos, crescemos todos bem perto uns dos outros e ninguém conseguiu conter as lágrimas ao vê-la de braço dado com o JN, já casados, depositar o ramo aos pés de Nossa Senhora enquanto a Maria Ana Bobone cantava a Avé Maria. Foi uma cerimónia muito emotiva, em que todas as pessoas queridas que nos faltam - e são tantas já!, foram lembradas com muita saudade. Na madrugada anterior tinha sonhado com a avó A. e a F., estavam ambas a preparar uns arranjos de flores para umas mesas com toalhas imaculadamente brancas. Tenho a certeza que todos os que já desapareceram na curva da estrada festejaram connosco aquele momento de alegria, com muitos sorrisos e abraços apertados, como os que nos demos naquela tarde quente de fim de Verão.
Agora, na recta final de mais um tempo estival, com os dias mais curtos e as noites mais frescas, olho para trás e apercebo-me que não estou onde pensei que ia estar quando, há 10 anos, pensava no futuro. Há sonhos e projectos que (ainda) não se concretizaram, há muitos medos e frustrações pelo meio, mas há também uma esperança que vem lá do fundo de mim mesma e me faz acreditar em dias melhores.
Não faço a mínima ideia onde estarei daqui a 10 anos e a verdade é que nem me importo já muito com isso. Enquanto tiver todas estas pessoas essenciais na minha vida, enquanto amar e for amada, enquanto me deitar com problemas e me conseguir levantar com a força necessária para os enfrentar, enquanto tiver saúde e souber que aqueles que amo se encontram bem, tudo o resto encontrará o seu caminho e o que tiver que ser, será.
Carpe diem é o lema e para a frente é que é o caminho. Desistir? Não me parece...só temos mesmo a certeza desta vida, não é verdade?!