30 de janeiro de 2014

Seremos sempre os 3 mosqueteiros.

I was always the goofiest one.


Hoje fui com a mãe ao cemitério. Levamos-te lírios brancos e camélias, como quase sempre. A chuva caía desalmadamente nesse momento e eu fiz o que sempre faço, fui apontando à mãe as campas com os nomes que desde sempre me lembro de achar engraçados, pela sua originalidade: Heremilda Emília, Florismundo José, Gertrudes Rosa, Emerenciano Augusto. São já velhos conhecidos nossos, passamos por eles sempre com imenso respeito e a mãe nunca viu mal nenhum nesta minha brincadeira, nem mesmo quando digo que um dia que tenha que escolher o nome de um filho vou passear para Agramonte (tu sabes que já tenho os nomes escolhidos há muito, só falta mesmo ter condições para os ter)
Foi enquanto limpava o jazigo e arranjava as flores que me apercebi. Eu não vou ao cemitério por causa da mãe, para lhe fazer companhia. Ou melhor, não vou apenas por causa dela. Todo este nosso ritual é a forma que arranjamos de te continuar a fazer presente nas nossas vidas. A escolha das flores, a caminhada por entre cedros, japoneiras, magnólias, campas e jazigos, as conversas e o café com tarte de maça que se lhes segue - nada disto é tétrico, muito menos necessariamente triste. Não vamos ao cemitério por o teu nome constar numa pedra já gasta de um jazigo de família. Vamos por estares viva em nós. Serenamente, já sem dor. Apenas muita saudade. 
Hoje percebi que vou por mim, acima de tudo. Porque continuas viva em mim, não apenas nas lembranças, mas também nestes fins de tarde de Inverno em que eu e a mãe vamos celebrar o teu nascimento e agradecer o privilégio de te ter nas nossas vidas. Para sempre.

À espera de futuro.

No teu poema
Existe um verso em branco e sem medida
Um corpo que respira, um céu aberto
Janela debruçada para a vida
No teu poema existe a dor calada lá no fundo
O passo da coragem em casa escura
E, aberta, uma varanda para o mundo.
Existe a noite
O riso e a voz refeita à luz do dia
A festa da Senhora da Agonia
E o cansaço
Do corpo que adormece em cama fria.
Existe um rio
A sina de quem nasce fraco ou forte
O risco, a raiva e a luta de quem cai
Ou que resiste
Que vence ou adormece antes da morte.
No teu poema
Existe o grito e o eco da metralha
A dor que sei de cor mas não recito
E os sonos inquietos de quem falha.
No teu poema
Existe um canto, chão alentejano
A rua e o pregão de uma varina
E um barco assoprado a todo o pano
Existe um rio
O canto em vozes juntas, vozes certas
Canção de uma só letra
E um só destino a embarcar
No cais da nova nau das descobertas
Existe um rio
A sina de quem nasce fraco ou forte
O risco, a raiva e a luta de quem cai
Ou que resiste
Que vence ou adormece antes da morte.
No teu poema
Existe a esperança acesa atrás do muro
Existe tudo o mais que ainda escapa
E um verso em branco à espera de futuro.
José Luís Tinoco -




Esta é uma das minhas canções portuguesas preferidas. As palavras do José Luis Tinoco e o seu arranjo musical mexem comigo desde muito pequena. Lembro-me de ouvir a versão do Carlos do Carmo vezes sem conta, grande parte delas a cantarolar juntamente com a minha avó. Até que um dia a ouvi na voz da Simone e o poema fez-me ainda mais sentido.

Hoje senti uma vontade imensa de voltar a ela. Percebi, por entre lágrimas e um sorriso, ainda que algo tímido, que aquele final sou eu: um verso em branco à espera de futuro.