18 de fevereiro de 2011

Do baú.

No teu poema
Existe um verso em branco e sem medida
Um corpo que respira, um céu aberto
Janela debruçada para a vida
No teu poema existe a dor calada lá no fundo
O passo da coragem em casa escura
E, aberta, uma varanda para o mundo.
Existe a noite
O riso e a voz refeita à luz do dia
A festa da Senhora da Agonia
E o cansaço
Do corpo que adormece em cama fria.
Existe um rio
A sina de quem nasce fraco ou forte
O risco, a raiva e a luta de quem cai
Ou que resiste
Que vence ou adormece antes da morte.
No teu poema
Existe o grito e o eco da metralha
A dor que sei de cor mas não recito
E os sonos inquietos de quem falha.
No teu poema
Existe um canto, chão alentejano
A rua e o pregão de uma varina
E um barco assoprado a todo o pano
Existe um rio
O canto em vozes juntas, vozes certas
Canção de uma só letra
E um só destino a embarcar
No cais da nova nau das descobertas
Existe um rio
A sina de quem nasce fraco ou forte
O risco, a raiva e a luta de quem cai
Ou que resiste
Que vence ou adormece antes da morte.
No teu poema
Existe a esperança acesa atrás do muro
Existe tudo o mais que ainda escapa
E um verso em branco à espera de futuro.


- José Luis Tinoco -




*Porque estou (estamos) em noite revivalista e porque, para mim, esta é uma das mais belas canções portuguesas.

Sou uma sensação sem pessoa correspondente.

Insónia
 
Não durmo, nem espero dormir.
Nem na morte espero dormir.

Espera-me uma insónia da largura dos astros,
E um bocejo inútil do comprimento do mundo.

Não durmo; não posso ler quando acordo de noite,
Não posso escrever quando acordo de noite,
Não posso pensar quando acordo de noite —
Meu Deus, nem posso sonhar quando acordo de noite!

Ah, o ópio de ser outra pessoa qualquer!

Não durmo, jazo, cadáver acordado, sentindo,
E o meu sentimento é um pensamento vazio.
Passam por mim, transtornadas, coisas que me sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que me não sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que não são nada,
E até dessas me arrependo, me culpo, e não durmo.

Não tenho força para ter energia para acender um cigarro.
Fito a parede fronteira do quarto como se fosse o universo.
Lá fora há o silêncio dessa coisa toda.
Um grande silêncio apavorante noutra ocasião qualquer,
Noutra ocasião qualquer em que eu pudesse sentir.

Estou escrevendo versos realmente simpáticos —
Versos a dizer que não tenho nada que dizer,
Versos a teimar em dizer isso,
Versos, versos, versos, versos, versos...
Tantos versos...
E a verdade toda, e a vida toda fora deles e de mim!

Tenho sono, não durmo, sinto e não sei em que sentir.
Sou uma sensação sem pessoa correspondente,
Uma abstracção de autoconsciência sem de quê,
Salvo o necessário para sentir consciência,
Salvo — sei lá salvo o quê...

Não durmo. Não durmo. Não durmo.
Que grande sono em toda a cabeça e em cima dos olhos e na alma!
Que grande sono em tudo excepto no poder dormir!

Ó madrugada, tardas tanto... Vem...
Vem, inutilmente,
Trazer-me outro dia igual a este, a ser seguido por outra noite igual a esta...
Vem trazer-me a alegria dessa esperança triste,
Porque sempre és alegre, e sempre trazes esperança,
Segundo a velha literatura das sensações.

Vem, traz a esperança, vem, traz a esperança.
O meu cansaço entra pelo colchão dentro.
Doem-me as costas de não estar deitado de lado.
Se estivesse deitado de lado doíam-me as costas de estar deitado de lado.
Vem, madrugada, chega!

Que horas são? Não sei.
Não tenho energia para estender uma mão para o relógio,
Não tenho energia para nada, para mais nada...
Só para estes versos, escritos no dia seguinte.
Sim, escritos no dia seguinte.

Todos os versos são sempre escritos no dia seguinte.
Noite absoluta, sossego absoluto, lá fora.
Paz em toda a Natureza.
A Humanidade repousa e esquece as suas amarguras.
Exactamente.
A Humanidade esquece as suas alegrias e amarguras.
Costuma dizer-se isto.
A Humanidade esquece, sim, a Humanidade esquece,
Mas mesmo acordada a Humanidade esquece.
Exactamente. Mas não durmo. 


- Álvaro de Campos - 
 É isto, nas últimas noites. Mais coisa menos coisa. 

17 de fevereiro de 2011

...

Um dia perguntou-me:
Estudaste os teus mapas? Conheces os caminhos?

Olhei-a desconfiada e, cheia de medo de me perder,
desenhei-me em quadrado,
desfiz-me em quilómetros.

- Filipa Leal -

16 de fevereiro de 2011

Ich vermisse Berlin.










Berlim - Julho de 2011

Berlim surge-me como uma metáfora. Não é que não tenha saudades da cidade, que tenho. Muitas. Mas do que eu sinto mesmo falta é de sonhar. Sonhar a minha própria vida, mais do que as dos outros. E vivê-la, já agora. Ultimamente sinto-me constantemente fora da minha pele, como se vivesse uma vida que não me pertence e à qual eu não pertenço também. Sinto-me presa, bloqueada, frustrada. Preciso de levantar asas novamente. Não para fugir ao que quer que seja, mas para ir ao encontro de mais, outras visões, outras formas de estar na vida, outros hábitos, outras culturas, outras gastronomias, outros mundos...sobretudo, ir ao encontro de mim mesma. 
Não se trata sequer de não acreditar no meu país, de as coisas não estarem fáceis, de o pessimismo se estar a alastrar, de não me sentir realizada. É muito mais do que isso. É uma necessidade de partir, para mais tarde poder voltar sem este buraco que trago na alma, este vazio que me está a corroer a cada dia. Será que não consegues preencher esse vazio por aqui mesmo?, perguntam-me, sem perceberem este meu jeito saltimbanco, esta urgência em fazer as malas e seguir viagem. Uns chamam-lhe inconstância, imaturidade, teimosia, capricho, traição à pátria (pergunto-me se o Infante terá ouvido coisas semelhantes, mal comparando, como é óbvio). Outros dizem que é ingenuidade, uma ilusão, filmes e livros a mais. Poucos são os que compreendem e apoiam verdadeiramente. Poucos entendem o quanto estas minhas aventuras por outros sítios que não aquele onde, segundo eles, era suposto alicerçar a minha vida, me enriquecem, me fazem ser eu própria, me permitem dar o melhor de mim mesma. Mesmo muito poucos são os que se identificam com esta minha alma de viajante.
Estou a precisar de traçar os planos certos e de voltar a ter as rédeas da minha própria vida. Tenho que me permitir concretizar os meus sonhos e não os dos outros. Para isso, estou a precisar de uma boa dose de coragem para deixar tudo para trás e seguir os conselhos da vozinha que não se cansa de me dizer ao ouvido, bem baixinho, vai, sem medo, todos por aqui vão ficar bem, não és assim tão indispensável.

13 de fevereiro de 2011

Relativizar.

A cabeça cheia de problemas, noites mal dormidas, um dia cinzento, chuva e granizo. Uma ida ao parque infantil, um saco de gomas, elas as duas, muitos sorrisos e cantigas. No fim do dia, renovei a esperança com um triplo abraço apertado e um arco-íris.