6 de maio de 2011

Gostar de Quintana.

Coisas numeradas de um a trinta e cinco

I
Não esquecer que as nuvens estão improvisando sempre, mas a culpa
é do vento.

II 
Ah, essas esculturas de gaze do vento, sempre errantes entre o céu e a
terra, como os sonhos do homem.

III 
A Vitória de Samotrácia: vento petrificado.

IV 
A Gioconda é uma chata.

V 
Há poetas cheios de detritos que vão arrastando tudo na corrente. Às
vezes, quando muito, uma cachorra morta. Às vezes o belo cadáver de
Ofélia.

VI 
Hamlet, meu condiscípulo de dúvidas...

VII 
Há poetas que fazem música de câmara: Verlaine, Laforgue, para apenas
citar gente minha... Victor Hugo era outra coisa. Vitor Hugo era o
General da Banda!

VIII 
Mas para que interpretarem um poema? Um poema já é uma
interpretação.

IX 
Os psiquiatras são incuráveis?

X 
Vagas notas esparsas... Leitores há que gostam disso. E até desconfio
que, para alguns desses leitores de que tanto gosto, os livros deveriam ser
compostos apenas de entrelinhas.

XI 
Os velhos, quanto mais velhos, mas vírgulas usam.

XII 
O ruim dos filmes de faroeste é que os tiroteios acordam a gente
no melhor do sono.

XIII 
O ruim das negras é que elas nunca parecem despidas.

XIV 
Se cortassem as mesuras dos filmes japoneses, não sobraria um único
de longa-metragem.

XV 
No mundo não há nada mais importante do que os políticos das
cidades pequenas.

XVI 
Nós não perdemos os mortos, os mortos é que nos perdem.

XVII 
A rede das estrelas é uma incômoda teia de aranha sobre a face da
Eternidade.

XVIII 
A voz do vento... Ninguém sabe o que o vento quer dizer... Quem
perguntar por que, de nada adianta comprar um livro de poemas.

XIX 
Um dia de chuva é bom para a gente comprar livros de poemas... Quem
perguntar por que, de nada lhe adianta comprar um livro de poemas.

XX 
As viagens ilustram, como dizem? As viagens aproveitam alguma coisa?
Não sei, mas desconfio que depois da sua visita aos Estados Unidos a
Gioconda deve ter voltado com um sorrido muito mais enigmático.

XXI 
O que há de terrível nos robôs não é como eles se parecem connosco,
mas como nós nos parecemos com eles.

XXII 
Buscas a perfeição? Não sejas vulgar. A autenticidade é muito mais
difícil.

XXIII
Quanto à arte engajada, eu só te pergunto: - Que significação política
tem o crepúsculo?

XXIV 
A noite picotada de grilos...

XXV 
Maltratar os poetas é indício de mau caráter.

XXVI
Coragem não é documento: os gangsters também são heróis.

XXVII 
A vida nutre-se da morte, e não a morte da vida, como julgam alguns
pessimistas.

XXVVIII 
E por falar em pessimismo, naquela ainda indecisa mas já histórica
manhã de 2 de Abril de 1964, ouvi, no Largo dos Medeiros, um velho dizer
a outro: "A coisa não pode estar boa! Anda muita gente de cara alegre..."

XXIX 
Já repararam? Antes, em todas as vitrinas de brique, havia sempre um
busto de Napoleão. Agora, sumiram-se!
As vitrinas de brique são o último estágio da glória.

XXX 
Esses que apreciam num escritor a opulência de Linguagem devem ser
os mesmos que se babam de puro êxtase diante das senhoras bem fornidas.

XXXI 
...ser xipófago deve ser tão incômodo como ser casado...

XXXII 
Me lembro de um colga de ginásio que tirou sua própria cachola e
escrevia em seus cadernos e livros, com letra caprichada, o seguinte:
"Este tudo, és tudo!". Teve o fim que merecia.

XXXIII 
Se não fosse Van Gogh, o que seria do amarelo?

XXXIV 
A Vênus de Milo tem cabeça e cérebro de ovelha.

XXXV
Por que ainda ninguém se lembrou de pintar uma mulher nua de
óculos?

- Mario Quintana -

Quém, quém.







Parque da Cidade - Maio de 2011