18 de março de 2009

Affacciati alla finestra amore mio...

Foto daqui

"(...) io sono qui davanti che ti chiedo un sorriso
affacciati alla finestra amore mio
affacciati al balcone
rispondimi al citofono
sono venuto qui col giradischi e col microfono
insieme al mio complesso
per cantarti il sentimento
e se tu mi vorrai baciare sarò contento
e questa serenata e' la mia sfida col destino
vorrei che per la vita noi due fossimo vicino
una serenata rap
per dirti che di te mi piace come mi guardi
mi piace come sei con me
mi piace quel tuo naso che si intona con il mondo
mi piace il tuo sedere così rotondo
da rendere satellite ogni essere vivente
mi piace perché sei intelligente
si vede dalle tue mani come le muovi
mi provochi pensieri e sentimenti sempre nuovi (...)"

Hoje, graças à Sofia, deu-me uma saudade imensa desta música e dos meus 13 anos, época em que tinha um fraquinho daqueles pelo Jovanotti.

Haverá língua mais doce para cantar o amor do que o italiano?!

16 de março de 2009

Só podemos conhecer o que possuímos e não possuímos nada...

Arte poética 


o poema não tem mais que o som do seu sentido, 

a letra p não é a primeira letra da palavra poema, 

o poema é esculpido de sentidos e essa é a sua forma, 

poema não se lê poema, lê-se pão ou flor, lê-se erva 

fresca e os teus lábios, lê-se sorriso estendido em mil 

árvores ou céu de punhais, ameaça, lê-se medo e procura 

de cegos, lê-se mão de criança ou tu, mãe, que dormes 

e me fizeste nascer de ti para ser palavras que não 

se escrevem, lê-se país e mar e céu esquecido e 

memória, lê-se silêncio, sim, tantas vezes, poema lê-se silêncio, 

lugar que não se diz e que significa, silêncio do teu 

olhar de doce menina, silêncio ao domingo entre as conversas, 

silêncio depois de um beijo ou de uma flor desmedida, silêncio 

de ti, pai, que morreste em tudo para só existires nesse poema 

calado, quem o pode negar?, que escreves sempre e sempre, em 

segredo, dentro de mim e dentro de todos os que te sofrem. 

o poema não é esta caneta de tinta preta, não é esta voz, 

a letra p não é a primeira letra da palavra poema, 

o poema é quando eu podia dormir até tarde nas férias 

do verão e o sol entrava pela janela, o poema é onde eu 

fui feliz e onde eu morri tanto, o poema é quando eu não 

conhecia a palavra poema, quando eu não conhecia a 

letra p e comia torradas feitas no lume da cozinha do 

quintal, o poema é aqui, quando levanto o olhar do papel 

e deixo as minhas mãos tocarem-te, quando sei, sem rimas 

e sem metáforas, que te amo, o poema será quando as crianças 

e os pássaros se rebelarem e, até lá, irá sendo sempre e tudo. 

o poema sabe, o poema conhece-se e, a si próprio, nunca se chama 

poema, a si próprio, nunca se escreve com p, o poema dentro de 

si é perfume e é fumo, é um menino que corre num pomar para 

abraçar o seu pai, é a exaustão e a liberdade sentida, é tudo 

o que quero aprender se o que quero aprender é tudo, 

é o teu olhar e o que imagino dele, é solidão e arrependimento, 

não são bibliotecas a arder de versos contados porque isso são 

bibliotecas a arder de versos contados e não é o poema, não é a 

raiz de uma palavra que julgamos conhecer porque só podemos 

conhecer o que possuímos e não possuímos nada, não é um 

torrão de terra a cantar hinos e a estender muralhas entre 

os versos e o mundo, o poema não é a palavra poema 

porque a palavra poema é uma palavra, o poema é a 

carne salgada por dentro, é um olhar perdido na noite sobre 

os telhados na hora em que todos dormem, é a última 

lembrança de um afogado, é um pesadelo, uma angústia, esperança. 

o poema não tem estrófes, tem corpo, o poema não tem versos, 

tem sangue, o poema não se escreve com letras, escreve-se 

com grãos de areia e beijos, pétalas e momentos, gritos e 

incertezas, a letra p não é a primeira letra da palavra poema, 

a palavra poema existe para não ser escrita como eu existo 

para não ser escrito, para não ser entendido, nem sequer por 

mim próprio, ainda que o meu sentido esteja em todos os lugares 

onde sou, o poema sou eu, as minhas mãos nos teus cabelos, 

o poema é o meu rosto, que não vejo, e que existe porque me 

olhas, o poema é o teu rosto, eu, eu não sei escrever a 

palavra poema, eu, eu só sei escrever o seu sentido. 


- José Luis Peixoto -


Saudades de Natália...

Auto-retrato 
Espáduas brancas palpitantes: 
asas no exílio dum corpo. 
Os braços calhas cintilantes 
para o comboio da alma. 
E os olhos emigrantes 
no navio da pálpebra 
encalhado em renúncia ou cobardia. 
Por vezes fêmea. Por vezes monja. 
Conforme a noite. Conforme o dia. 
Molusco. Esponja 
embebida num filtro de magia. 
Aranha de ouro 
presa na teia dos seus ardis. 
E aos pés um coração de louça 
quebrado em jogos infantis.

Natália Correia deixou-nos há exactamente 16 anos... tenho dela uma imagem bastante nítida, apesar de ser ainda bastante nova quando faleceu. Guardo na memória, sobretudo, a sua presença singular e a sua voz. Hoje, mais uma vez, senti saudades.