27 de janeiro de 2012

Poema destinado a haver domingo.

Bastam-me as cinco pontas de uma estrela
E a cor dum navio em movimento
E como ave, ficar parada a vê-la
E como flor, qualquer odor no vento.

Basta-me a lua ter aqui deixado
Um luminoso fio de cabelo
Para levar o céu todo enrolado
Na discreta ambição do meu novelo.

Só há espigas a crescer comigo
Numa seara para passear a pé
Esta distância achada pelo trigo
Que me dá só o pão daquilo que é.

Deixem ao dia a cama de um domingo
Para deitar um lírio que lhe sobre.
E a tarde cor-de-rosa de um flamingo
Seja o tecto da casa que me cobre

Baste o que o tempo traz na sua anilha
Como uma rosa traz Abril no seio.
E que o mar dê o fruto duma ilha
Onde o amor por fim tenha recreio.

- Natália Correia -

25 de janeiro de 2012

O peito que parte à voz do trovão.



Quem vai gritar primeiro? Quem?
O grito que afrouxa em desespero
O peito que parte à voz do trovão

Quem vai cuidar do fogo? Quem?
A alma que dança na chama trina
Há queima dos poros, devastação

Quem vai sair de casa?
Quem vai sumir no mundo?
Desatar o nó cego? Ver na escuridão?

Sabotar a injúria? Quem vai curar a cura?
É soro do próprio choro?
Quem vai pedir perdão?

Quem vai gritar primeiro? Quem?
O grito que afrouxa em desespero
O peito que parte à voz do trovão

Quem vai cuidar do fogo? Quem?
A alma que dança na chama trina
Há queima dos poros, devastação

Sonho de mala feita? Quem vai sonhar na espreita?
Quem vai cuidar do outro? Quem vai dizer que não?
Crime de face avulsa, céu na encosta da culpa
Quem justifica o ato? Quem vai lavar as mãos?
Sopro do desalento? Quem se desnuda ao vento?
Quem vai ser indiscreto? Ser divisão do pão?

Quem vai sair do rumo? Quem vai mudar o prumo?
Quem vai ser o primeiro?
Quem vai calar em vão?