Há pessoas com quem é fácil deixar-se estar triste. Longe de serem muitas. Mostrar a tristeza para quem quiser ver é uma quase prostituição, parece-me. Isolada, ou entre quem não suscita por si grande interesse, é-me indiferente. Mas dentro de um núcleo mais ou menos familiar, de entre quem sabe de nós, nos conhece o suficiente para contextualizar algumas coisas, parece-me muito mal. A mim. Depois há aquelas outras em relação às quais, dentro de limites na profundidade do estado, é impraticável. Aquelas que sabemos que se nos sentem respirar muito devagar ficam muito mais rapidamente, e com outro fulgor, com uma inquietação que não as vai deixar dormir, quando até nós já fizemos os nossos rolinhos de roupa da cama de encontro ao peito, e adormecemos em paz. Então é disfarçar ou fugir, com desculpas de pouco tempo, cansaço, tudo o que justifique o estado aparente e a brevidade da conversa. Resulta. Acho eu. No extremo oposto as que sentimos que não devemos acinzentar sem deixar entrar, e não deixamos porque verdadeiramente não queremos, nunca quisemos, e sentimos que vamos arrepender se deixarmos. Ou asque não sabem interpretar, aceitar, deixar simplesmente ser, sendo também elas. Ou as que podem até levar a mal. Noves fora ficam pouquinhas. Para quem tem a sorte de as ter. Eu tenho. Ora, manual de bem lidar com tristeza alheia. Com base na experiência. Não dar demasiada importância - sinal de inteligência. É (ou pode ser) talvez a forma como me é melhor dada a entender a seriedade com que se compreende e se abraça a minha tristeza. É uma forma de dizer: eu sei, falta pouquinho. Depois passa. Em águas que se querem paradas caem como pedras preocupações desmedidas, conselhos, tentativas em voos rasos de soluções muito fáceis. Tenho cá para mim que quem está triste o quer, com alguma convicção, estar. Mesmo que seja a convicção do "não há volta a dar pelo que...". Por um pouco tempo, o suficiente. Talvez como o cansaço do dia e deixar-se dormir. Dormir é bom, é muito bom. Mas muito também desistir de tudo por um bocado. Baixar os braços, adiar, até morrer por um bocadinho. É, tenho ideia que não há nada de melhor a fazer com os tristes que deixá-los estar por um bocado.
Também não dar pouca importância, não fazer dela um fantasma.
Neste intervalinho sensível vivem fadas e duendes. Mentira, mas podiam. É o intervalo de não se estranhar a expressão, cara feia, de não estranhar poucas conversas, nem brilho plim no sorriso. E mesmo assim estar tudo bem. Muito bem. Como muito bem estão os dias de chuva no Outono. Como manchinha de tinta que a seu tempo se vai atenuando, envolvendo na transparência de outras águas, desaparecendo. Devagar, devagar, devagar… A partir do momento em que vivemos bem a nossa tristeza com alguém, toda a alegria que possa existir tem outros genes. Tudo ganha um carácter de incondicionalidade e de permanência que até então nem o desejo do que poderia ser chegava. “Amo devagar os amigos que são tristes com cinco dedos de cada lado.
Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos, com os livros atrás a arder para toda a eternidade. Não os chamo, e eles voltam-se profundamente dentro do fogo.
- Temos um talento doloroso e obscuro. Construímos um lugar de silêncio. De paixão.” Deve ser a terceira ou quarta vez que escrevo este poema por aqui. No fim venho sempre ter a ele. Sou rebuscadinha de muitas maneiras, mas é isto.
Lido aqui , original daqui . Porque é isto mesmo, sem tirar nem pôr. E porque o poema de Herberto Helder é um dos meus preferidos.