6 de julho de 2013

As coisas que passam têm para sempre uma história exacta.*












Leça, Junho de 2013


Escolhi buscar a felicidade, encontrar beleza nas mais pequenas coisas, aprender com os momentos maus e deles retirar forças e sabedoria para todos os outros. Sim, retirar forças dos momentos maus, pois é nestes que a nossa verdadeira força se revela. Escolhi viver um dia de cada, concentrar-me no hoje e nas coisas que posso controlar. Escolhi viver, não apenas sobreviver, como se a vida fosse um rio que corre desenfreado ao meu lado e no qual me recusava quase sempre a entrar. Escolhi entrar na corrente, numa embarcação à minha medida, remando ao meu ritmo e traçando a minha rota. Tentarei evitar as zonas mais turbulentas, as quedas de água mais perigosas, descansarei na margem sempre que necessário, mas não me vou esconder mais numa caverna à espera que todos os perigos passem, que as águas estejam completamente serenadas, que todos se esqueçam de mim para seguir em frente. 

Aprendi a lição. Da forma mais dura, mas aprendi. Bem vistas as coisas, tinha que ser assim. Todos temos uma personalidade única, um ritmo próprio - quererem que sejamos da companhia a toda a força só nos trava ainda mais, bloqueia-nos, faz-nos duvidar das nossas próprias capacidades. Olhando para trás, não foi tempo perdido, foi um tempo ganho a mim mesma. Para me conhecer melhor, para saber o que não quero e por onde devo ir. Foi um tempo de resgate.

Resta-me ter a coragem para não me perder de mim novamente, encontrar de novo o prazer nas coisas que sempre me caracterizaram e fizeram parte de mim. Falta-me voltar a escrever como quem respira, recuperar aquela voz própria que me diziam existir na minha escrita, que a tornava única e apetecível. Falta-me voltar a gostar daquilo que escrevo e a sentir necessidade de escrever muitas vezes, todos os dias. Falta-me preencher este vazio que transparece para tudo o que escrevo, tornando as palavras pastosas, repetitivas, cansativas, tantas vezes sem nexo. 

Preciso de ler mais, muito mais e melhor, não apenas notícias e blogues mais ou menos interessantes. Preciso de devorar livros como antes, virar noites agarrada a personagens e histórias, virando páginas à velocidade da luz, voltando atrás para sublinhar uma frase, marcar um diálogo ou ler melhor um parágrafo. Preciso de deitar a cabeça no chão do quarto, pés na parede e livro encostado às pernas, num difícil equilíbrio que muito terá contribuído para a minha vista cansada.

Preciso de acreditar mais em mim, nas minhas capacidades. Não desistir dos meus sonhos ao mínimo obstáculo, traçar planos concretos e exequíveis, rodear-me de quem me quer bem e aceitar ajuda de quem ma oferece de coração. Aprender a pedir ajuda também me dava um certo jeito, já agora.

Não, os últimos anos não têm sido fáceis. Acho que já experimentei um bocadinho de todas as dores do mundo e, ainda assim, sei-me tão privilegiada em relação a tanta, mas tanta gente. Conheço o cheiro e o rosto da morte, sei da brutal ausência de todos os que me foram roubados por ela. Sei que morremos sozinhos, mesmo que rodeados por muitos daqueles que amamos. Sei que no fim somos todos, mas todos iguais.

Perdi demasiadas coisas nos últimos anos, materiais e não só. Vi a morte mais vezes do que gostaria nos últimos tempos, assisti ao último suspiro de pessoas muito importantes na minha vida e senti os seus corpos frios quando todas as suas memórias passaram para os nossos corações (a sabedoria está na voz dos mais pequenos). Posto isto, tudo se me tornou simples: a esperança é mesmo a última a morrer - resta-nos lutar até ao fim, por nós, acima de tudo, para depois termos forças e capacidade para lutar pelo e com os outros.



* Sophia de Mello Breyner Andresen