4 de junho de 2010

Exercício catártico

Mentiras. Hipocrisia. Cinismo. Pessoas sonsas e dissimuladas. Crianças insolentes. Ruas sujas. Filas intermináveis de trânsito com um ocupante por veículo. O esbanjamento diário de comida por cada um de nós. Deitar restos de comida fora, quando ainda aproveitáveis para outra refeição. Cuspir para o chão. A falta de educação e de atenção para com os mais velhos. Tratar as crianças como patetinhas. Transformar as crianças em pequenos ditadores. Pessoas que se acham donas da razão. Pessoas que falam sobre assuntos que desconhecem totalmente, fingindo-se expert na matéria. A falta de acessibilidades adequadas para cidadãos portadores de deficiência. A quase inexistente inclusão de pessoas portadoras de deficiências na sociedade, sobretudo no mercado de trabalho. O culto exagerado da beleza e da juventude. O desconhecimento e o desrespeito de muitos pela História e pelas estórias transmitidas ao longo de gerações. Os pseudo-intelectuais da nossa praça. O abandono de muito do nosso património histórico e cultural. As inadequadas políticas culturais repetidas à exaustão, mesmo depois se de provar que não funcionam. A discrepância de ofertas culturais palpáveis entre o litoral e o interior. O abandono de certas tradições. As eternas políticas e reformas falhadas do nosso sistema educativo. O desprezo por certas profissões consideradas menores. O facilitismo vigente. A intolerância. Preconceitos em geral. A estupidez. O radicalismo seja de que forma for. O culto da ignorância. Pessoas que não nos olham nos olhos quando lhes dirigimos a palavra. Burocracia tacanha e desorganiza. Cunhas e compadrios. Jornalismo sensacionalista. Redes de transportes públicos insuficientes e mal organizadas. Consumismo desenfreado. A falta de ética generalizada. O serviço público de televisão, ou a falta dele. A falta de inclusão de áreas artísticas nos currículos escolares, do pré-primário ao secundário. O abandono da agricultura. O caótico planeamento urbanístico. A cultura do estado subsidiário. Música nos elevadores e nos estabelecimentos comerciais. Crianças aos berros em restaurantes, sob o olhar permissivo dos pais. Uma certa apatia e falta de proactividade das gerações mais novas, sobretudo as pós-25 Abril, apesar das muitas e valiosas excepções. O consumismo exacerbado da época natalícia e as acções de solidariedade para a fotografia. A fraca participação e organização da sociedade civil em torno de questões e problemas que nos afectam a todos. A desertificação e o abandono dos centros da cidade. Os dormitórios periféricos e os guetos urbanos. A glorificação do futebol e o total esquecimento em relação a outras modalidades desportivas. Famílias como núcleos de violência e maus tratos. O ritmo acelerado do nosso quotidiano. Os vizinhos que não se conhecem. A completa, escondida e envergonhada solidão de muitos dos que nos rodeiam.

Há coisas que mexem com o meu sistema nervoso, que me revoltam, que me deixam frustrada, que me angustiam, que me tiram o sono... estas são apenas algumas delas. Porque vê-las assim alinhadas, palavra atrás de palavra, funciona como um desabafo, uma catarse.

3 de junho de 2010

Momento zen

Das coisas simples.

Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa compor muitos rocks rurais
E tenha somente a certeza
Dos amigos do peito e nada mais
Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa ficar no tamanho da paz
E tenha somente a certeza
Dos limites do corpo e nada mais
Eu quero carneiros e cabras pastando solenes
No meu jardim
Eu quero o silêncio das línguas cansadas
Eu quero a esperança de óculos
Meu filho de cuca legal
Eu quero plantar e colher com a mão
A pimenta e o sal
Eu quero uma casa no campo
Do tamanho ideal, pau-a-pique e sapé
Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos e livros
E nada mais

2 de junho de 2010

Das tuas invasões à minha paz.

Estragas-me a paz.
e eu preciso das minhas solidões,
de bocados mentais sem ti.

Começo a ser doença obsessiva
ao repetir-me por poemas isto:
as tuas invasões à minha paz.
(Podia até em jeito original
por aqui umas notas sobre ti:
cf., vide: textos tal e tal)
Mas é que a minha paz fica toda es-
tragada quando te penso amor.

Interrompi os versos por laranjas.
E volto sempre a ti mesmo que não.
É estranho que pacíficas laranjas
não me consigam afastar de ti. 

- Ana Luísa Amaral -