12 de novembro de 2010

Penso que cumprir a vida seja simplesmente...



Odalisca Andróide

Eu estou sempre aqui, olhando pela janela. Não vejo arranhões no céu nem discos voadores. Os céus estão explorados mas vazios.

Existe um biombo de ossos perto daqui. Eu acho que estou meio sangrando.

Eu já sei, não precisa me dizer. Eu sou um fragmento gótico. Eu sou um castelo projetado. Eu sou um slide no meio do deserto. Eu sempre quis ser isso mesmo. Uma adolescente nua, que nunca viu discos voadores, e que acaba capturada por um trovador de fala cinematográfica. Eu sempre quis isso mesmo: armar hieróglifos com pedaços de tudo, restos de filmes, gestos de rua, gravações de rádio, fragmentos de tv.
Mas eu sei que os meus lábios são transmutação de alguma coisa planetária. Quando eu beijo eu improviso mundos molhados. Aciono gametas guardados. Eu sou a transmutação de alguma coisa eletrônica. Uma notícia de saturno esquecida, uma pulseira de temperaturas, um manequim mutilado, uma odalisca andróide que tinha uma grande dor, que improvisou com restos de cinema e com seu amor, um disco voador.

-  Fausto Fawcett, excerto do texto Disco Voador -


...compreender a marcha e ir tocando em frente.

11 de novembro de 2010

Sankt Martin mit dem Schwerte teilt,



den warmen Mantel unverweilt. 


Bom São Martinho e muitas castanhas com jeropiga para todos ;)

A new beginning is just another new beginning's end *

Estou a precisar de toda a minha coragem para me reinventar, outra vez. Não tem sido fácil. Há sempre algo que se tem que deixar para trás. Mas acredito que, se o conseguir fazer, os dias que virão serão mais cheios, mas completos e mais serenos. Só preciso de não ter medo de voar, pois as asas há muito que estão abertas. O que assusta é sempre a descolagem, aquele primeiro salto no vazio. Depois é analisar as correntes e encontrar a melhor rota. O resto vem com o tempo e a persistência. 

Os dias andam cinzentos, os rostos das pessoas fechados, há um pessimismo generalizado e poucos são os que acreditam que as coisas possam melhorar. Eu acho que é nos momentos de adversidade que encontramos forças que nem sabíamos possuir, acredito que por vezes é preciso bater no fundo para se conseguir o impulso necessário para voltar a subir. Basta-me olhar à volta para ver gente com talento e cheia de vontade de arregaçar as mangas. Basta deixá-las e não lhes cortar as asas. O resto é com elas. Sei-as munidas das ferramentas necessárias: vontade, capacidade e espírito construtivo. 

Talvez (acham os outros) tenha uma certa tendência para ver o copo meio cheio, quando tudo parece indicar precisamente o contrário. Enganam-se. Não é sempre assim. Grande parte do tempo vejo-me envolta num nevoeiro cerrado, sem conseguir ver um palmo à minha frente. Acontece que não estou preparada, nem quero, desistir. Acredito que as coisas podem melhorar, se todos fizermos por isso, cada um a sua parte. 

Sei que tenho mais para dar do que aquilo que tenho dado e, certamente, não serei a única. Há que voltar a sonhar, a acreditar que se consegue, quando se luta por isso. Se é certo que ninguém muda o mundo sozinho, sou daquelas que ainda acredita que cada um de nós tem a capacidade de mudar o mundo à sua volta. Aquele pequeno mundo onde nos movemos diariamente - casa, família, trabalho, amigos, vizinhos. 

Há que não ter medo de arriscar, mas, acima de tudo, há que não ter medo de sermos nós mesmos. Não baixar os braços, não desistir nunca e não embarcar no sistema, se este não nos convier ou com ele não estivermos de acordo. Nem que para isso tenhamos que aguentar ser chamados de loucos, sonhadores ou optimistas, como se isso fosse uma doença contagiosa de que é preciso protegerem-se.

Não estou preparada para desistir daquilo em que acredito. Acho que não vou estar nunca. Sei que há outras formas tão ou mais válidas de ver o mundo e que o céu se pode pintar de uma infinidade de cores. Chamem-me o que vos apetecer.

* Or an other opportunity to make it right.

10 de novembro de 2010

3



All we have to know.



Saudosismo.

Eu, você, nós dois
Já temos um passado, meu amor
Um violão guardado, aquela flor
E outras mumunhas mais
Eu, você, João
Girando na vitrola sem parar
E o mundo dissonante que nós dois
Tentamos inventar
Tentamos inventar
Tentamos inventar
Tentamos
A felicidade
A felicidade
A felicidade
A felicidade
Eu, você, depois
Quarta-feira de cinzas no país
E as notas dissonantes se integraram
Ao som dos imbecis
Sim, você, nós dois
Já temos um passado, meu amor
A bossa, a fossa, a nossa grande dor
Como dois quadradões
Lobo, lobo, bobo
Lobo, lobo, bobo
Lobo, lobo, bobo
Lobo, lobo, bobo
Eu e você, João
Girando na vitrola sem parar
E eu fico comovido de lembrar
O tempo e o som
Ah, como era bom
Mas chega de saudade,
A realidade
É que aprendemos com João
Pra sempre ser desafinados
Ser desafinados
Ser desafinados
Ser
Chega de saudade...

9 de novembro de 2010

Voltar a Lisboa,





Cais das Colunas, Novembro de 2010

percorrer as ruas de uma memória recente, atravessar o Rossio, subir ao Chiado, descer a rua Augusta, entrar na Praça do Comércio e apressar o passo, com os olhos pregados no rio. Chegar ao Cais das Colunas e sentir tudo outra vez, como da primeira vez. A imensidão, o cheiro nostálgico do Tejo, a luz, o voo rasante das gaivotas, os cacilheiros ao largo. O apelo de partir para longe e o porto seguro de um abraço à chegada, sempre. A certeza de pertencer ali, aqui e a todos lugares onde os sonhos são possíveis e a amizade uma constante, neste mundo de viragens vorazes.

Tecendo a manhã

Um galo sozinho não tece a manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro: de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos

que com muitos outros galos se cruzam
os fios de sol de seus gritos de galo
para que a manhã, desde uma tela tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
 
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
 
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

- João Cabral de Melo Neto -