"Mumbai é o emblema do capitalismo selvagem, sem sistema social de protecção. Do desenvolvimento sem criação de classe média ou bem-estar social. Sem igualdade de oportunidades. Quem vai a Mumbai volta de Mumbai encantado, a metrópole é atraente com aquele calor tropical e os odores varridos pelos ventos marítimos. O Taj Mahal, a baía, Colaba, Elefanta, o Gate of India, a estação vitoriana, o críquete. Quem vai a Mumbai nunca conhece Dharavi. A classe dominante não vê problema nas manchas de miséria da cidade, sabe que para a Índia avançar aqueles seres têm de ser deixados para trás. Abafadas por oleados azuis no tempo da monção, cerca de um milhão de pessoas (há quem diga que são menos) esconde-se numa destituição que faz das favelas do Rio condomínios.
Não muito longe, mulheres cobertas de saris de lantejoulas e diamantes lancham nos hotéis de luxo, sem ostentar preocupação social ou caritativa. O sistema sustenta-se dos sonhos, os de Bollywood e os da televisão, e os apresentadores dos concursos são actores amados como deuses. Amitabh Bachchan é o Zeus deste Olimpo. Na vida, Jamal nunca ganharia o concurso. Boyle dá a ver a impiedade com a pincelada do retratista a cores. O filme devia ser brutal como um filme de Fernando Meirelles e não é. Porque acaba bem. Porque as pessoas não suportam muita realidade, como dizia Eliot. Porque Boyle fez daquilo uma homenagem radiosa a um mundo, o nosso, onde todos querem ser milionários na televisão, a anestesia geral que Dickens não previu. E porque se passa na incrível Índia."
- Clara Ferrreira Alves, aqui. -
Slumdog Millionaire poderá não ser um filme perfeito, mas é uma lufada de ar fresco e um murro no estômago, apesar do final idilicamente feliz. Muito provavelmente saíra do Kodak Theatre, amanhã, com vários Óscares no currículo, entre eles o de melhor filme. A mim não me surpreenderá nada e, a ser verdade, não será um injusto vencedor.
Porque o filme tem uma dinâmica muito própria, nunca cansa, consegue ser, ao mesmo tempo, brutalmente cru e real e romanticamente belo. Porque se consegue cheirar a Índia, o seu colorido, as suas desigualdades a vários níveis, as suas contradições. Porque durante duas horas me permitiu viajar por uma outra realidade, por vezes tão mal interpretada por todos nós, ocidentais, e porque acabei de ver o filme com uma enorme vontade de apanhar o primeiro voo para a Índia, vestir um Sari colorido e deixar-me perder por entre os formigueiros de gente das suas cidades e enibriar os sentidos com a sua cultura e tradições.
Ah!, e tem uma banda sonora contagiante :)
Pirosa?! Talvez... mas eu gosto!