(...) Chamam amor àquela adesão mútua às suas respectivas independências. (...) O tempo do amor mergulha nos nossos gostos até que os cinco sentidos nos inundem de dor ou de arrebatamento. Diz-se que o amor dura quando os aventureiros conseguem tratar das suas chagas, quando a pele se recompõe e recomeçam a olhar-se um ao outro como Narciso nas águas. Eis o que exige muita paciência, um extraordinário culto do tempo.
Em amor, é preciso cuidar do tempo. Não da duração, que é apenas um suporte da arte de amar. Mas daquela magia que transforma o espaço de uma percepção, de um mal-estar ou de uma alegria no instante de uma dádiva. Dádiva de palavra, de gesto, de olhar. Basta um pequeno ruído para te fazer saber que te tenho comigo, que estamos bem, os dois, ali, debaixo da acácia e do pinheiro, naquela vertigem de flores, ondas, quarteto, enxaqueca, dor nas costas. Assim nasce a sensação de tempo. Uma vez dados, estes instantes sensíveis encadeiam-se em ínfimos actos. Emersos do nada, atam-se uns aos outros e arrastam-nos com eles. Bem se vê que não há tempo sem amor. O amor é amor pelas pequenas coisas, pelos pelos sonhos, pelos desejos. Não temos tempo porque não temos amor suficiente. Perdemos o nosso tempo quando não amamos. Esquecemos o tempo passado quando nada temos a dizer a ninguém. Ou então estamos prisioneiros de um tempo falso que não passa.
- Julia Kristeva, in "Os Samurais" -