12 de setembro de 2009
The moon is over the rise
Encher de luar o jardim do nosso afecto...
no teu rosto em silêncio pequenas pausas
entre nós e as palavras
que desfiamos
Quando o silêncio (pausa mais longa
que nos contrai o peito)
cai bruscamente
duas mãos agitam-se meigamente as nossas
e os mendigos, todos os mendigos
espreitam ao postigo do teu pequeno apartamento
coroados de rosas e crisântemos
É o momento
em que afirmamos a realidade das coisas
não a que vemos na rua
e que sabemos fictícia
mas a outra
aurora cintilante
que põe estrelas no teu sorriso
quando acordas de manhã
com um sol de angústia na garganta
acredita
nada nos distingue
entre a multidão anónima a que pertencemos
embora
o fotógrafo teime sempre
em nos oferecer uma esperança
- fluido imaterial que nem mil anos
poderão condensar -
O nosso rasto
mal se apercebe na areia
condenados ao fracasso
pequena glória dos pequenos heróis deste tempo
ainda aspiramos
no entanto
a ser o índice deste século
único sinal humano, florescente e salubre
de contrário
seremos apenas
um halo de vento
arco-íris de luto
ou estrada para sedentários
É ocioso
preparar a objectiva
que nos vai condenar a um número
nesta cidade onde cada homem
é escravo de uma arma
Ocioso
avivar as flores do cenário
encher de luar o jardim do nosso afecto
Só um acaso
nos poderá revelar
por isso
fechemos o rosto
meu amor
- Pedro Oom -
9 de setembro de 2009
Summer day...
A transparente anêmona dos dias...
Aquele que profanou o mar
E que traiu o arco azul do tempo
Falou da sua vitória
Disse que tinha ultrapassado a lei
Falou da sua liberdade
Falou de si próprio como de um Messias
Porém eu vi no chão suja e calcada
A transparente anêmona dos dias.
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O meu país sabe as amoras bravas
no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.
- Sophia de Mello Breyner Andresen -
Por vezes...
8 de setembro de 2009
Passemos os séculos sem rosto...
imagino que sobre nós virá um céu
de espuma e que, de sol em sol,
uma nova língua nos fará dizer
o que a poeira da nossa boca adiada
soterrou já para lá da mão possível
onde cinzentos abandonamos a flor.
dizes: põe nos meus os teus dedos
e passemos os séculos sem rosto,
apaguemos de nossas casas o barulho
do tempo que ardeu sem luz.
sim, cria comigo esse silêncio
que nos faz nus e em nós acende
o lume das árvores de fruto.
diz-me que há ainda versos por escrever,
que sobra no mundo um dizer ainda puro.
- Vasco Gato -
O que fazer...
6 de setembro de 2009
Mas sei que tu sabes...
Com Um Brilhozinho Nos Olhos - Sérgio Godinho
Com um brilhozinho nos olhos
e a saia rodada
escancaraste a porta do bar
trazias o cabelo aos ombros
passeando de cá para lá
como as ondas do mar
conheço tão bem esses olhos
e nunca me enganam
o que é que aconteceu diz lá
é que hoje fiz um amigo
e coisa mais preciosa no mundo não há
Com um brilhozinho nos olhos
metemos o carro
muito à frente muito à frente dos bois
ou seja fizemos promessas
trocámos retratos
traçámos projectos a dois
trocámos de roupa trocámos de corpo
trocamos de beijos tão bom é tão bom
e com um brilhozinho nos olhos
tocamos guitarra
pelo menos a julgar pelo som
E o que é que foi que ele disse?
E o que é que foi que ele disse?
Hoje soube-me a pouco
Hoje soube-me a pouco
Hoje soube-me a pouco
Hoje soube-me a pouco
passa aí mais um bocadinho
que estou quase a ficar louco
Hoje soube-me a tanto
Hoje soube-me a tanto
Hoje soube-me a tanto
Hoje soube-me a tanto
portanto
hoje soube-me a pouco
Com um brilhozinho nos olhos
corremos os estores
pusemos o rádio no on
acendemos a já costumeira
velinha de igreja
pusemos no off o telfone
e olha nao dá para contar
mas sei que tu sabes
daquilo que sabes que eu sei
e com um brilhozinho nos olhos
ficámos parados
depois do que não te contei
Com um brilhozinho nos olhos
dissemos sei la
o que nos passou pela tola
do estilo: és o number one
dou-te vinte valores
és um treze no totobola
e às duas por três
bebemos um copo
fizemos o quatro e pintámos o sete
e com um brilhozinho nos olhos
ficámos imoveis
a dar uma de tête a tête
E com um brilhozinho nos olhos
tentamos saber
para lá do que muito se amou
quem éramos nós
quem queriamos ser
e quais as esperanças
que a vida roubou
e olhei-o de longe
e mirei-o de perto
que quem não vê caras
não vê corações
e com um brilhozinho nos olhos
guardei um amigo
que é coisa que vale milhões
A medida exacta do meu desejo...
Mas podes arder. Para a tua temperatura sou mercúrio, li-
nhas de mão, lábio e sopro. Atravesso-te porque me atra-
vessas e onde somos corsários rendemo-nos ao encanto da
devolução.
Tu e eu à porta de um lugar que vai fechar tudo numa árvore.
Aqui onde os minutos são a rua em que nos sentamos toda
a tarde à espera do silêncio, onde o teu corpo pesa a me-
dida exacta do meu desejo.
Sou um animal. Necessito diariamente da transfusão de uma
enorme quantidade de calor. Tocas-me?
- Vasco Gato -