18 de novembro de 2009

17 de novembro de 2009

Procuro-te!

Procuro a ternura súbita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um pássaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.

Oh, a carícia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da água entre o azul
do prado e de um corpo estendido.

Procuro-te: fruto ou nuvem ou música.
Chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples:
o pão e a água,
a cama e a mesa,
os pequenos e dóceis animais,
onde também quero que chegue
o meu canto e a manhã de maio.

Um pássaro e um navio são a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que há diferenças,
mas não quando se ama,
não quando apertamos contra o peito
uma flor ávida de orvalho.

Ter só dedos e dentes é muito triste:
dedos para amortalhar crianças,
dentes para roer a solidão,
enquanto o verão pinta de azul o céu
e o mar é devassado pelas estrelas.

Porém eu procuro-te.
Antes que a morte se aproxime, procuro-te.
Nas ruas, nos barcos, na cama,
com amor, com ódio, ao sol, à chuva,
de noite, de dia, triste, alegre — procuro-te.



- Eugénio de Andrade - 

For sure...


16 de novembro de 2009

Cine Vida

A chuva trouxe consigo um céu cinzento e um vento que teima em assobiar-me à janela noite após noite. A humidade entranha-se nos ossos e nas casas, fazendo sair dos armários roupas mais quentes e tornando o chá quentinho uma rotina constante cá em casa.
Os últimos tempos não têm sido fáceis e, talvez por isso mesmo, olhar para o céu pesado que parece desabar neste momento sobre Lisboa, enche-me de melancolia e deixa-me ainda mais triste.
A semana que passou proporcionou-me um escape a esta montanha-russa de emoções que têm sido os meus dias e trouxe-me também uma série de recordações muito saborosas. Posso mesmo dizer que o Estoril Film Festival salvou o meu Novembro, que não se tem revelado tão doce assim...
Fazer a linha de Cascais de comboio até ao Estoril várias vezes e sorrir de cada vez que se anunciava a estação de S.Pedro do Estoril, fez-me recuar a um tempo em que os meus dias tinham um outro ritmo e uma outra cor, e a um Outono longínquo em que, apesar dos problemas já existentes, uma voz meiga me garantia que tudo ia ficar bem...e eu acreditava. Não é que agora não continue a acreditar em dias melhores, apenas a idade é outra, as responsabilidades são mais e maiores e os problemas teimam em agigantar-se à minha volta.
Contudo, ainda há coisas boas nesta vida e, no meio do caos, é sempre possível encontrar bolhas de felicidade e de alegria. Foi o que aconteceu em todas as sessões a que pude assistir, em todos filmes, mais antigos ou mais recentes, estreias ou clássicos, em todos os encontros, conversas e jantares da última semana. A abstracção quase total que aqueles momentos me proporcionaram, permitiram-me aguentar um fim-de-semana complicado e encher de esperança em relação ao futuro, por mais sombrios que ainda sejam os meus dias neste momento.
Depois, houve as boleias da mana, os piqueniques, as dormidas cá em casa, as conversas noite dentro e aqueles abraços só nossos, que fazem parar o tempo e tornam as agruras da vida mais suportáveis.
Enquanto houver momentos assim, eu posso até vergar, mas não quebro!

A pergunta

A descoberta de sentido no absurdo de existir...

Nascer: fincou o sono das entranhas.
Surge o concreto,
a dor de formas repartidas.
Tão doce era viver
sem alma, no regaço
do cofre maternal, sombrio e cálido.
Agora,
na revelação frontal do dia,
a consciência do limite,
o nervo exposto dos problemas.

Sondamos, inquirimos
sem resposta:
Nada se ajusta, deste lado,
à placidez do outro?
É tudo guerra, dúvida
no exílio?
O incerto e suas lajes
criptográficas?
Viver é torturar-se, consumir-se
à míngua de qualquer razão de vida?

Eis que um segundo nascimento,
não advinhado, sem anúncio,
resgata o sofrimento do primeiro,
e o tempo se redoura.
Amor, este o seu nome.
Amor, a descoberta
de sentido no absurdo de existir.
O real veste nova realidade,
a linguagem encontra seu motivo
até mesmo nos lances de silêncio.

A explicação rompe das nuvens,
das águas, das mais vagas circunstâncias:
Não sou Eu, sou o Outro
que em mim procurava seu destino.
Em outro alguém estou nascendo.
A minha festa,
o meu nascer poreja a cada instante
em cada gesto meu que se reduz
a ser retrato,
espelho,
semelhança
de gesto alheio aberto em rosa.

- Carlos Drummond de Andrade -

15 de novembro de 2009

Ballon Rouge



Problemas existenciais






Corro o sério risco de me voltar a apaixonar pelo Cronenberg!

Ficarei aqui sonhando versos e sorrindo em itálico...

Ah, a frescura na face de não cumprir um dever!
Faltar é positivamente estar no campo!
Que refúgio o não se poder ter confiança em nós!
Respiro melhor agora que passaram as horas dos encontros.
Faltei a todos, com uma deliberação do desleixo,
Fiquei esperando a vontade de ir para lá, que eu saberia que não
vinha.
Sou livre, contra a sociedade organizada e vestida.
Estou nu, e mergulho na água da minha imaginação.
É tarde para eu estar em qualquer dos dois pontos onde estaria
à mesma hora,
Deliberadamente à mesma hora...
Está bem, ficarei aqui sonhando versos e sorrindo em itálico.
É tão engraçada esta parte assistente da vida!
Até não consigo acender o cigarro seguinte...Se é um gesto,
Fique com os outros, que me esperam, no desencontro que é a vida.

- Álvaro de Campos -

Do regresso...

Eu estava habituada a vir para casa com um velho amigo
Que me punha a mão nos ombros. Eu raramente tropeçava
Porque dele irradiava o calor das macieiras e a paz das
Tílias. Era a árvore dos meus passos. E, regressando a casa,
Regressava à Paisagem que humana me fazia.

- Maria Gabriela Llansol -