Nordeste transmontano - Agosto de 2012
" (...) Vê-se primeiro um mar de pedras. Vagas e vagas sideradas, hirtas e
hostis, contidas na sua força desmedida pela mão inexorável dum Deus
criador e dominador. Tudo parado e mudo. Apenas se move e se faz ouvir o
coração no peito, inquieto, a anunciar o começo duma grande hora. De
repente, rasga a crosta do silêncio uma voz de franqueza desembainhada:
- Para cá do Marão, mandam os que cá estão!...
Sente-se um calafrio. A vista alarga-se de ânsia e de assombro. Que penedo falou? Que terror respeitoso se apodera de nós? Mas de nada vale interrogar o grande oceano megalítico, porque o nume invisível ordena:
- Entre!
A gente entra, e já está no Reino Maravilhoso. (...)
- Para cá do Marão, mandam os que cá estão!...
Sente-se um calafrio. A vista alarga-se de ânsia e de assombro. Que penedo falou? Que terror respeitoso se apodera de nós? Mas de nada vale interrogar o grande oceano megalítico, porque o nume invisível ordena:
- Entre!
A gente entra, e já está no Reino Maravilhoso. (...)
Um mundo! Um nunca acabar de terra grossa, fragosa, bravia, que tanto se
levanta a pino num ímpeto de subir ao céu, como se afunda nuns abismos
de angústia, não se sabe por que telúrica contrição.
Terra-Quente e Terra-Fria. Léguas e léguas de chão raivoso, contorcido,
queimado por um sol de fogo ou por um frio de neve. Serras sobrepostas a
serras. Montanhas paralelas a montanhas. Nos intervalos, apertados
entre os rios de água cristalina, cantantes, a matar a sede de tanta
angústia. E de quando em quando, oásis da inquietação que fez tais rugas
geológicas, um vale imenso, dum húmus puro, onde a vista descansa da
agressão das penedias. Mas novamente o granito protesta. Novamente nos
acorda para a força medular de tudo. E são outra vez serras, até perder
de vista. (...) "
- Miguel Torga, Um Reino Maravilhoso -
Anseio sempre pelo momento em que, já para lá do Marão, abro a janela do carro e aquele cheiro a terra secular, oliveiras, castanheiros, azevinho, avelaneiras, salgueiros, zimbro, urze e cornalheira, entra de rompante e sem pedir licença, colando-se de imediato à pele e aos cabelos, devolvendo-me a mim mesma, transportando-me no tempo, passado e futuro, fazendo-me sentir viva, como só o cheiro a maresia consegue igualar. Se o mar é a minha alma e o meu espírito errante, Trás-os-Montes é o meu corpo, a minha carne, o meu chão. Se não consigo viver muito tempo longe do mar - falta-me o ar, o peito fecha-se em concha, obrigando o meu coração a reduzir-se ao tamanho do de um passarinho, a cabeça começa a pesar toneladas e o meu olhar torna-se mais baço - o mar, para além de tudo o resto, tem em mim um efeito purificador, obrigando-me sempre a limpar tudo o que é de deitar fora, chegando mesmo a fazer tábua rasa muitas vezes, este meu reino maravilhoso de montanhas, pedras, vales, lameiros, gentes afáveis e perseverantes, pão sempre sobre a mesa e gastronomia de me fazer recuar séculos a cada garfada, completa-me de uma forma vital. Terra e mar terão sempre de andar paralelamente na minha vida, a bem da minha sanidade mental. Esta terra, que me recebeu com apenas 15 dias de vida, num Agosto quente que se tem vindo a repetir ao longo do meu crescimento, assim como muitos outros meses que contribuíram profundamente para a Mar que sou hoje.
Um dia, quando os meus cabelos cor de fogo tiverem virado um vale de neve, é aqui que quero passar os meus dias, intercalados, de igual forma, com uma varanda sobre o Atlântico. É esse o equilíbrio que busco e que tanta falta me tem feito nestes últimos três anos. Aquele cheiro e um oceano de maresia colados na minha pele.
Um dia, quando os meus cabelos cor de fogo tiverem virado um vale de neve, é aqui que quero passar os meus dias, intercalados, de igual forma, com uma varanda sobre o Atlântico. É esse o equilíbrio que busco e que tanta falta me tem feito nestes últimos três anos. Aquele cheiro e um oceano de maresia colados na minha pele.