Jardim da avó A.
Da ausência. Do
vazio. Das paredes que gritam o que insistimos em calar. Ou não
conseguimos dizer. Do silêncio. Da sala
despida. Da mesa posta com um prato a menos, apesar do lugar eterno. Dos passos
que não se sentem no corredor pela manhã. Do cheiro a compota que se evaporou no
nunca mais, mesmo que se venham a fazer todas as compotas do
mundo. Da cadeira que espera. Do jardim que perdeu a cor para o
mistério da morte. Da voz que não se ouve, mas que ecoa. Do
armário e da cómoda intactos, intocados. Das pulseiras, colares e anéis que
persistem. Dos novelos e agulhas imóveis, como instalações
indecifráveis em museus modernos. Das camisas que já não são lavadas à mão,
demorada e cuidadosamente. Dos conselhos que não se esquecem, mesmo que não
sejam seguidos à risca. Das histórias que sobreviverão ao
tempo. Dos Natais, Páscoas, Carnavais , aniversários e demais
comemorações que perderam a magia e o brilho. Do leite creme ao Domingo, cujo
sabor foi embora sem pedir licença. Dos
almoços e jantares demorados, em família, onde já
faltam cada vez mais. Das tardes na piscina, dos lanches
com scones e limonada. Dos piqueniques à beira-rio. Dos dias longos de praia e
refresco de café com limão. Das viagens de carro. Das compras no Porto. Das
idas a Alcañices comprar flores, com direito a paragem obrigatória nas Paquitas
e no Fidel. Das sopas de tomate. Dos almoços no alpendre. Dos passeios a pé.
Das novelas e filmes revistos e comentados vezes sem conta. Do jornal e das
revistas lidos à noite, na cama. Das jardinagens e dos banhos de mangueira. Das
tardes enfiados todos juntos na cama, onde se esqueciam as doenças. Das
revisões antes dos testes. Do dinheiro dado às escondidas, para os meus
alfinetes. Das compras de Natal à última hora. Das rabanadas quentinhas. Dos abraços, dos beijinhos e da forma de me chamar Micoquinhas.
Da saudade. De um tempo que não volta. Nunca mais.
Da saudade. De um tempo que não volta. Nunca mais.
Parabéns avó.