29 de maio de 2010
28 de maio de 2010
Exercício terapêutico,6
A A. a dançar no relvado de casa dos avós. Vestidos de alcinhas esvoaçantes. Dançar com a A. e ouvi-la chamar-me de Nana, como os irmãos também fizeram em criança. Cataventos coloridos no jardim da avó A.. Lançar papagaios de papel. Correr na praia. Os passeios marítimos e os calçadões das praias nortenhas. Duches de água fria. Papel reciclado. Postais antigos. Caligrafias. Carimbos e lacres. Arquitectura. Filosofia. Estantes cheias de livros. As conversas com o D. . Jarras com flores espalhadas pela casa. Sumo de laranja natural. Cozinhar. Experimentar receitas. Sushi com a cunhada. Um bom copo de vinho e conversas demoradas. Adormecer no sofá a meio da tarde. As sestas da infância com a avó A. . As sestas na praia à sombra do guarda-sol. Tagliatelle com ameijoas e coentros. Os croissants da Doce Mar. Dividir Jesuítas com a minha mãe. Sopa do Espírito Santo. Papas de Sarrabulho. Cerelac ou Nestum a meio da noite. Xarope de cenoura caseiro. A cumplicidade visceral com a minha irmã. Fotografias antigas e álbuns de família. Pianos de cauda. O som do contrabaixo. Jazz à luz das velas. Orquídeas, tulipas e magnólias. Bouquets de rosas de Santa Teresinha. Máquinas de café. Torradas com mel. Andar a pé. Miradouros. Caminhadas nos montes. Mantas e colchas de patchwork. Cestos de vime. Varandas e terraços. Pátios interiores. Canteiros de flores. Peças de cerâmica. Artes plásticas. Papéis, telas, pincéis e o cheiro da água raz. A sala de Expressão Plástica da minha mãe no Instituto. Tardes inteiras a desenhar e a pintar. Papel de cenário. Jóias de família. Arcas e baús. Rendas antigas. Lençóis e toalhas de linho. Bichos da seda. Pirilampos em noites de Primavera. Bailaricos dos Santos Populares. Feiras e romarias. Carrosséis nas Fontaínhas. O carinho dos amigos. Dar e receber colo. Amar.
Em jeito de solidariedade com a S., de quem tenho muitas saudades, e porque também já estava mesmo a precisar...muito.
Em jeito de solidariedade com a S., de quem tenho muitas saudades, e porque também já estava mesmo a precisar...muito.
25 de maio de 2010
Da vida...
"Living is like tearing through a museum. Not until later do you really start absorbing what you saw, thinking about it, looking it up in a book, and remembering - because you can’t take it in all at once."
- Audrey Hepburn -
There was a little girl.
A velha sebenta
em que escrevia as minhas composições de Francês
"Mes Vacances": gostei muito das férias
je suis allée à la plage (com dois ee,
o verbo être pede concordância), j'ai beaucoup
nagé e depois terminava com o sol a pôr-se
no mar e ia ver gaivotas ao dicionário
As correcções a vermelho e a Passé Simple,
escrever cem vezes nous fûmes vaus fûtes ils fûrent
as tardes de sol
e Madame Denise que dizia Toi ma petite
com ar de sargento e a cara zangada a fazer-se
vermelha (tenho glóbulos a mais, faites attention)
e o olhar que desmentia tudo
em ternura remplit
E as regras decoradas e as terminações
verbais a i s, a i s, a i t
a hora de estudo extra e o sol de fim de tarde
a filtrar-se pelas carteiras,
a freira a vigiar distraída em salmos
eu a sonhar de livro aberto
once upon a time there was a little boy
e as equações de terceiro grau a uma
incógnita
Ah tardes claras em que era bom
ser boa, não era o santinho nem o rebuçado
era a palavra doce a afagar-me por dentro,
as batas todas brancas salpicadas de gouache
colorido e o cinto azul que eu trazia sempre largo
assim a cair de lado à espadachim
As escadas de madeira rangentes
ao compasso dos passos, sentidas ainda
à distância de vinte anos,
todas nós em submissa fila a responder à chamada,
"Presente" parecia-me então lógico e certo
como assistir à oração na capela e ler as Epístolas
(De São Paulo aos Coríntios:
Naquele tempo...),
tem uma voz bonita e lê tão bem, e depois
mandavam-me apertar o cinto para ficar
mais composta em cima do banquinho,
à direita do padre
E o fascínio das confissões,
as vozes sussurradas na fina teia de madeira
castanha a esconder uma falta,
o cheiro do chão encerado e da cera das velas
e quando deixei de acreditar em pecados
e comecei a achar que as palavras não prestam
e que era inútil
inútil a teia de madeira
Ah noites de insónia à distância de vinte anos,
once upon a time there was a little boy
and he went up on a journey
there was a little girl, une petite fille
e o passé simple, como parecia simples o passado
Au clair de la lune
mon ami Pierrot
Prête-moi ta plume
pour écrire un moI
Escrever uma palavra
uma só
ao luar
a pedir concordância como uma carícia
Elles sont parties,
les mouettes
- Ana Luísa Amaral -
em que escrevia as minhas composições de Francês
"Mes Vacances": gostei muito das férias
je suis allée à la plage (com dois ee,
o verbo être pede concordância), j'ai beaucoup
nagé e depois terminava com o sol a pôr-se
no mar e ia ver gaivotas ao dicionário
As correcções a vermelho e a Passé Simple,
escrever cem vezes nous fûmes vaus fûtes ils fûrent
as tardes de sol
e Madame Denise que dizia Toi ma petite
com ar de sargento e a cara zangada a fazer-se
vermelha (tenho glóbulos a mais, faites attention)
e o olhar que desmentia tudo
em ternura remplit
E as regras decoradas e as terminações
verbais a i s, a i s, a i t
a hora de estudo extra e o sol de fim de tarde
a filtrar-se pelas carteiras,
a freira a vigiar distraída em salmos
eu a sonhar de livro aberto
once upon a time there was a little boy
e as equações de terceiro grau a uma
incógnita
Ah tardes claras em que era bom
ser boa, não era o santinho nem o rebuçado
era a palavra doce a afagar-me por dentro,
as batas todas brancas salpicadas de gouache
colorido e o cinto azul que eu trazia sempre largo
assim a cair de lado à espadachim
As escadas de madeira rangentes
ao compasso dos passos, sentidas ainda
à distância de vinte anos,
todas nós em submissa fila a responder à chamada,
"Presente" parecia-me então lógico e certo
como assistir à oração na capela e ler as Epístolas
(De São Paulo aos Coríntios:
Naquele tempo...),
tem uma voz bonita e lê tão bem, e depois
mandavam-me apertar o cinto para ficar
mais composta em cima do banquinho,
à direita do padre
E o fascínio das confissões,
as vozes sussurradas na fina teia de madeira
castanha a esconder uma falta,
o cheiro do chão encerado e da cera das velas
e quando deixei de acreditar em pecados
e comecei a achar que as palavras não prestam
e que era inútil
inútil a teia de madeira
Ah noites de insónia à distância de vinte anos,
once upon a time there was a little boy
and he went up on a journey
there was a little girl, une petite fille
e o passé simple, como parecia simples o passado
Au clair de la lune
mon ami Pierrot
Prête-moi ta plume
pour écrire un moI
Escrever uma palavra
uma só
ao luar
a pedir concordância como uma carícia
Elles sont parties,
les mouettes
- Ana Luísa Amaral -
Subscrever:
Mensagens (Atom)