24 de novembro de 2010

Pôr a carroça à frente dos bois.

É a expressão que me ocorre quando me dizem que já fizeram à árvore de Natal, o presépio e todas as outras decorações alusivas à quadra; que já têm quase todos os presentes comprados, devidamente embrulhados e etiquetados; que já decidiram o menu para o jantar do Ano Velho e o almoço do Ano Novo; que já têm os modelitos comprados, escolhidos e separados para todas as reuniões familiares e de amigos que irão acontecer por esse Dezembro fora.
Há quem ache tudo isso eficiência, poder de organização, grande capacidade para aproveitar o tempo, etc e tal... a mim parece-me uma urgência desenfreada em antecipar uma época que deve ser vivida com calma, serenidade e não esquecendo os valores que lhe devem ser inerentes. Se já tremi ao ler este texto, ia tendo uma síncope quando soube de alguém que tem os presentes todos comprados desde Agosto, porque depois tem mais que fazer do que andar às compras. Juro que até percebo, mas Agosto? De lá até ao dia 24 de Dezembro tanta água corre debaixo da ponte. Ou talvez seja eu que não goste de saltar etapas, sobretudo se as achar importantes; talvez tenha um ritmo demasiado lento para esta sociedade desenfreada em que vivemos, que transforma o Natal numa maratona consumista, de caridadezinha oca, de aparências e de fotografias de famílias sorridentes, ao melhor estilo Kodak, daquelas que se degolam ainda antes de cozer o bacalhau ou trinchar o perú. 
(Ainda) gosto muito do Natal e de tudo aquilo que ele, na sua essência, representa. Sou católica por educação e tradição familiar, embora não seja "praticante", o que me deixa sem religião, mas com os valores que considero essenciais intocados. 
Gosto de enfeitar a casa, de colocar a estrela no topo da árvore, de pôr uma coroa na porta de entrada, de acender uma vela na coroa do Advento em cada domingo até ao Natal. Mas tudo a seu tempo, como acredito que deve ser. 
Normalmente enfeito a casa a 1 ou a 8 de Dezembro, para aproveitar os feriados, mas nunca antes do Advento começar. Na época do Colégio, comprava a coroa de Advento no Bazar de Natal (último fim-de-semana de Novembro) e ficava numa ansiedade até poder acender a primeira vela e aguardava depois impacientemente pelo final do dia 5 de Dezembro, quando colocávamos a nossa Nikolaus-Stiefel, para no dia seguinte a encontrarmos repleta de doces e frutos secos, que devorávamos ainda antes de cantar a Sankt Nikolaus Lied. Depois era ir riscando os dias até chegar a tão desejada Véspera de Natal, em que toda a família se reúne e onde os amigos não são esquecidos. 
Os presentes são para ir comprando, sempre depois do S. Martinho, para não haver confusões de santos, como dizia a avó A., não esquecendo no entanto, que não são o mais importante. Faz-me uma confusão tremenda ver montras e lojas decoradas logo no dia 1 de Outubro, quando ainda há gente a regressar da praia. 
As iguarias, doces e docinhos, são feitos no próprio dia (24), para estarem no ponto que todos gostam. À mesa misturam-se tradições portuguesas, alemãs, espanholas, brasileiras e anglo-saxónicas, num patchwork de vivências e ligações afectivas. Os presentes abrem-se à meia-noite de 25, as crianças primeiro, os adultos no fim. Lembram-se os que já partiram e deixa-se a mesa posta durante a madrugada de 25, para as alminhas, o Menino Jesus  e o Pai Natal poderem fazer um banquete. 
Na tarde de 25 recebem-se ou visitam-se familiares e amigos, saboreiam-se melhor os presentes recebidos, vêem-se filmes à lareira e prepara-se o perú para o jantar, servido com a inconfundível farofa da Micas aka my Mum. Pede-se baixinho, mas com muita força, para que no próximo ano estejamos novamente todos juntos e com saúde.

Sei que no dia 24 ainda vou estar a comprar e/ou embrulhar presentes, já é também uma tradição, pois falta sempre mais alguém ou mais qualquer coisa. Sei que a Micas vai stressar a fazer as rabanadas, pois, segundo ela, nunca ficam iguais às da avó A. . Sei que a Ji vai passar o dia a dizer que o bacalhau é pouco e não vai chegar para todos, mesmo que depois sobre um panelão intacto (ela nasceu para cozinhar para um batalhão!). Sei que vou desesperar a partir os torrões, a arranjar os pratinhos e tacinhas dos frutos secos, da fruta cristalizada e dos chocolates e que me vou sujar toda de canela ao enfeitar a aletria e o arroz doce. Sei que vou resmungar com os miúdos por não me ajudarem a pôr a mesa (porque vão estar a moer a paciência de quem estiver na cozinha e a roubar rabanadas quentinhas) e chamar insistentemente até um deles ir buscar mais cadeiras. Sei que vamos fazer a receita do Pai Natal com o avô, comer demais e jurar que tão cedo não tocamos em doces (pelo menos até à ceia!).


Sei também que é uma época muito difícil e triste para muita gente, pelos mais variados motivos. É nessas pessoas que penso quando estamos todos sentados à mesa, aquecidos pela lareira e pela companhia uns dos outros. Para mim é, antes de mais, um tempo de reflexão e de tomada de decisões, sobretudo com a perspectiva de um ano novinho em folha à minha frente.

2 comentários:

Anónimo disse...

Que coisa mais linda esse post. Também me angustia essa pressa em trazer o Natal para mais perto. E esse ano, como em todos os outros, eu ainda estarei embrulhando presentes na véspera e desesperada porque esqueci de comprar alguma coisa.

Comprar presentes de Natal em agosto só pode ser loucura! Rs...

Beijo,
Camila F.

Mar* disse...

Concordo Camila, comprar os presentes em Agosto só pode ser loucura mesmo...

Este ano, enquanto estiver a embrulhar presentes de última hora, vou-me lembrar que do outro lado do Atlântico também há alguém tão ou mais desesperada do que eu ;)

Beijo*