13 de julho de 2008

Pudesse eu morrer hoje como tu me morreste nessa noite —e deitar-me na terra; e ter uma cama de pedra branca e um cobertor de estrelas; e não ouvir senão o rumor das ervas que despontam de noite, e os passos diminutos dos insectos,e o canto do vento nos ciprestes; e não ter medo das sombras,nem das aves negras nos meus braços de mármore,nem de te ter perdido — não ter medo de nada. Pudesse

eu fechar os olhos neste instante e esquecer-me de tudo —das tuas mãos tão frias quando estendi as minhas nessa noite;de não teres dito a única palavra que me faria salvar-te, mesmo deixando que eu perguntasse tudo; de teres insultado a vida e chamado pela morte para me mostrares que o teu corpo já tinha desistido, que ias matar-te em mim e que era tarde para eu pensar em devolver-te os dias que roubara. Pudesse

eu cair num sono gelado como o teu e deixar de sentir a dor,a dor incomparável de te ver acordado em tudo o que escrevi —porque foi pelo poema que me amaste, o poema foi sempre o que valeu a pena (o mais eram os gestos que não cabiam nas mãos, os morangos a que o verão obrigou); e pudesse eu deixar de escrever nesta manhã, o dia treme na linha dos telhados, a vida hesita tanto, e pudesse eu morrer,mas ouço-te a respirar no meu poema.

- Maria do Rosário Pedreira, in O Canto do vento nos ciprestes -

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