12 de maio de 2014

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Onde me levas, rio que cantei, 

esperança destes olhos que molhei 
de pura solidão e desencanto? 
Onde me levas?, que me custa tanto. 

Não quero que conduzas ao silêncio 
duma noite maior e mais completa, 
com anjos tristes a medir os gestos 
da hora mais contrária e mais secreta. 

Deixa-me na terra de sabor amargo 
como o coração dos frutos bravos, 
pátria minha de fundos desenganos, 
mas com sonhos, com prantos, com espasmos. 

Canção, vai para além de quanto escrevo 
e rasga esta sombra que me cerca. 
Há outra face na vida transbordante: 
que seja nessa face que me perca.

- Eugénio de Andrade -

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