Ao desfazer a mala depois de uns dias fora de casa, enquanto procurava dar um jeito ao guarda-roupa e às gavetas da roupa interior e, depois, ao reorganizar a secretária e ao arrumar a papelada e os livros que invariavelmente viajam comigo, dei comigo a pensar que cada vez mais gosto de me cingir ao essencial. Cada vez mais sou adepta do travel light.
Com o passar dos anos, fui-me apercebendo de que não preciso de muitas coisas materiais para ser feliz. Gosto da ideia de a minha vida caber em meia dúzia de caixotes e malas. À excepção de alguns objectos pessoais, dos meus livros, dos muitos papéis, das fotografias, das caixas com cartas, bilhetes de cinema e papéis vários que guardo como uma espécie de pequeno tesouro, tudo o resto é perfeitamente dispensável (e tudo isto já enche muito). Tenho cada vez menos roupa, a essencial para andar minimamente bem vestida e ir variando q.b. . Não tenho panca por carteiras, sapatos, relógios, cintos ou outros acessórios que tais, logo, não gasto muito dinheiro neles, nem tenho em quantidade exagerada. Gosto de reciclar roupa, de herdar roupa, de transformar objectos e acessórios, tornando-os diferentes, originais e novos, pelo menos ao olhar dos outros. Guardo cada vez menos coisas. A cada final de estação, separo a roupa que não usei e muito provavelmente não voltarei a usar, para dar a conhecidos ou desconhecidos. À excepção de algumas peças que têm um valor afectivo, que foram feitas pela minha avó, a minha mãe ou alguém igualmente especial, todas as outras têm uma validade limitada na minha vida.
O mesmo se passa em relação ao recheio das casas onde vivi, muita coisa foi sendo dispensada pelo caminho. Por outro lado, guardo pequenos objectos, livros, papéis ou ninharias que para qualquer outra pessoa seriam lixo. Não me vejo a comprar casa a curto, médio ou longo prazo. Algumas pessoas dizem-me ah, mas tu tens casas e terrenos de família que muito provavelmente irás herdar, já és proprietária mesmo sem querer. Sinceramente, não ligo a mínima a essas propriedades. Gosto da ideia de ser livre, de poder partir a qualquer hora, de poder mudar de cidade, de país sem grandes preocupações ou amarras. Contudo, gosto de saber onde estão as minhas raízes, de ter um porto seguro para o qual sei que poderei sempre voltar. Nesse aspecto sou uma privilegiada, pois sei que poderei sempre partir, que nunca será verdadeiramente sem rede. Mas é uma rede que, apesar de estar sempre lá, não me é imposta.
Vivo nesta dicotomia consciente e tranquila de uma vontade enorme de partir, conhecer outros mundos, viver noutros sítios, ter experiências diferentes e a necessidade de perpetuar raízes e tradições. Vivo tentando conjugar esses dois lados de mim mesma. De um lado, a viajante mochileira, a cidadã do mundo aventureira e saltimbanca; do outro, a filha de uma família grande, com casas grandes e muitas tradições.
Sei que quero criar os meus filhos nesta dicotomia, tornando-a o mais saudável e natural possível. Quero que sejam sempre conscientes das suas origens, que conheçam as histórias, as vidas e as tradições daqueles que os antecederam, mas, ao mesmo tempo, quero poder oferecer-lhes o mundo, abrir-lhes portas e janelas a novos horizontes, ensinar-lhes a levantar voo e a partir, sem medo de não terem para onde voltar.
Quero carregar na vida apenas o essencial e indispensável: as memórias (as boas, mas também as más), as pessoas importantes e aqueles objectos que nos ajudam a sermos quem somos, mas que não nos definem nem nos transformam em seus escravos.
4 comentários:
Em jeito de dicotomia: Eu gosto da liberdade da ausência de propriedade e se me mudasse acho que só tinha mesmo de levar os livros e os candeeiros, mais um ou outro presente, mas também gosto muito de saber que a casa da família e os terrenos estao lá e que o pior que nos pode acontecer é acabar ali. E gosto de pertencer ali. Acho que é o que me dá força para ir por aí fora.
É mesmo isso. Somos umas privilegiadas na nossa dicotomia, pois acho que é mesmo a certeza desse chão, dessa casa de família à qual gostamos de pertencer, que nos faz partir, não direi sem medos, mas com força para os superar.
Engraçado seres tu a comentar este texto. Há um post teu datado de treze de Fevereiro que me tem dado muito que pensar e que me tem feito acordar durante a noite a dizer baixinho "o que te falta neste momento é coragem"...a mim mesma, bem entendido!
Ah, esse 13 de Fevereiro foi mesmo muito especial. E é tao estranho, a decisao de ficar foi tao difícil como as de partir, mesmo sendo, pelo menos logisticamente, muito mais fácil...
Percebo-te.
Eu, neste momento, sinto uma necessidade imensa de voltar a partir, embora, logisticamente e não só, seja mais fácil ficar. Anda-me a faltar coragem e um 13 de Fevereiro.
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