A morte é a curva da estrada,
Morrer é só não ser visto.
Se escuto, eu te oiço a passada
Existir como eu existo.
A terra é feita de céu.
A mentira não tem ninho.
Nunca ninguém se perdeu.
Tudo é verdade e caminho.
Morreram-me demasiadas pessoas nos últimos tempos. Deixei de as ver, da forma como se vêem os vivos, mas não deixei de sentir a sua presença. Elas continuam a habitar em mim, nas casas, nos objectos deixados, nas memórias e nas histórias recordadas. Continuo a falar sobre elas, numa necessidade permanente de não as transformar em fantasmas ou assuntos tabu.
Todas as noites converso em silêncio com a minha pequenina S., enquanto olho as estrelas florescentes que colei no tecto do meu quarto para a Mary Mary não sentir tanto medo do escuro, sempre que vem dormir comigo. Conversei com as minhas avós enquanto punha a mesa durante a quadra natalícia, numa repetição de gestos que tantas vezes as vi fazer. Sorrio para a F. e sei que ela também me sorri, de cada vez que olho para a J., que está cada dia mais parecida com a mãe. Sinto a M. em tudo o que o T. e a P. dizem e fazem.
Nas casas dos meus avós, se parar e escutar o silêncio, bem quietinha, sou capaz de sentir todos aqueles que já partiram e que lá viveram ou por lá costumavam andar. Quando a Ji coze pão, quando cozinhamos naquela cozinha, quando se abre um frasco de compota de abóbora e noz, sei que eles conseguem sentir o cheiro que fica a pairar no ar e enche aquelas divisões de um aroma característico e tão familiar.
Não tenho medo absolutamente nenhum da (minha) morte, mas morro um bocadinho por dentro de cada vez que penso na possibilidade da morte daqueles que amo. Mesmo que eles continuem a viver dentro de mim e que morrer seja apenas não ser visto.
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