4 de novembro de 2009

No princípio era.

Não dormia sem o escuro absoluto. 

Doíam-lhe os olhos de ter visto cidades, 

de ter esquecido gente, do frio 

do vidro nas palavras. Demorava tanto 

a entender o mundo que agora não dormia 

de muita luz que as coisas tinham 

antes sequer de serem suas. Trabalhava-se tanto 

nesse lugar onde vivia com outros como ela 

que às vezes pensava: tão estranho nascer 

(quer dizer, nascer mesmo, estar aqui) 

para o dia passado com estranhos. 

E por isso, no princípio, não dormia 

sem procurar o amor, sem beijar na testa 

a noite que acabava serena e exausta como a noite. 

No princípio era. 

Depois esvaziou-se com cuidado. 


- Filipa Leal -

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