27 de fevereiro de 2009

A alma de Frida

"RECORDAÇÃO 

Eu sorrira. Nada mais. Mas a claridade foi em mim, e no fundo 

do meu silêncio. 

Ele seguia-me. Como a minha sombra, irrepreensível e ligeira. 

Na noite soluçou um canto... 

Os índios alongavam-se, sinuosos, pelas ruas da aldeia. 

Seguiam envoltos em coloridos mantos de sarape, a dançar, depois 

de beberem mescal. Uma harpa e um cavaquinho eram a música, e a 

alegria eram as morenas sorridentes. 

Ao fundo, atrás da praça do Zócalo, brilhava o rio. E partia, como 

os minutos da minha vida. 

Ele seguia-me. 

Eu acabei por chorar. Esquecida no átrio da Paróquia, aconchegada 

no meu xaile de algodão, impregnando-o de lágrimas. 


NOTA 

Esta prosa poética foi localizada pelo doutor Luis Mario Schneider na 

página 61 de El Universal Ilustrado de 30 de Novembro de 1922."

 

 

"RECADO PARA ISABEL CAMPOS 

Amigalhaça das minhas entretelas. 

Dize exactamente quando é que pensas vir cá tomar banho, para 

eu te ir buscar. 

Peço-te desculpa por só te mandar hoje as calcinhas, mas aqui a 

dactilógrafa não arranjou tempo para tas ir levar. 

Sabes bem que, tu e eu, somos unha e carne. A tua poderosa amiga 

Frieda 


NOTA 

Isabel Campos (1906-1994) nasceu, tal como Frida, em Coyoacán. Cultivaram 

uma estreita amizade durante três décadas, mas foram-se afastando à 

medida que Frida ia penetrando noutros meios. Este recado sem data foi escrito 

num cartão-de-visita."



Ao ler o que Frida escreveu - em cartas, poemas, recados, telegramas, excertos de diários, fiquei ainda mais apaixonada e intrigada por esta mulher, mexicana, nascida no início do século XX, que se me apresenta cada vez mais autêntica, genuína, original e à frente do seu próprio tempo. Era, sobretudo, uma mulher de afectos.

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