17 de maio de 2007

Queixa das almas jovens censuradas

Dão-nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola.

Dão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade.

Dão-nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prêmio de ser assim
sem pecado e sem inocência.

Dão-nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatro.

Penteiam-nos os crânios ermos
com as cabeleiras das avós
para jamais nos parecermos
conosco quando estamos sós.

Dão-nos um bolo que é a história
da nossa historia sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra que o medo.

Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
somos vazios despovoados
de personagens de assombro.

Dão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco.

Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura.

Dão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante.

Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino.

Dão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida, nem é a morte.

- Natália Correia -

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